quarta-feira, 30 de junho de 2010

A pesquisa sociolinguística

TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Ática, 1986.


  Fernando Tarallo inicia seu livro intitulado “A pesquisa sócio-linguística” discutindo no primeiro capítulo a questão da relação entre língua e sociedade. O autor adota a definição de língua numa perspectiva saussuriana, que consiste em percebê-la como fato social, mais especificamente, como um sistema convencional adquirido pelos indivíduos durante o convívio social, e, portanto, sujeito a variações de ordem fonológica, morfossintática, estilística e/ou semântica. 
  Diante dessa concepção de que a língua sofre variações, o autor nos apresenta os conceitos de variante e variável linguísticas. As variantes podem ser definidas como as diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto com o mesmo valor de verdade (variantes padrão/não padrão, conservadoras/inovadoras, estigmatizadas/de prestígio):

                 “(...) Em geral, a variante padrão é, ao mesmo tempo, conservadora e aquela que goza do prestígio sociolingüístico na comunidade. As variantes inovadoras, por outro lado, são quase sempre não-padrão e estigmatizada pelos membros da comunidade. Por exemplo, no caso da marcação de plural no português do Brasil, a variante [s] é padrão, conservadora de prestígio; a variante [], por outro lado, é inovadora, estigmatizada e não-padrão.” (p.12)

  A variável é entendida como um conjunto de variantes linguísticas, como por exemplo, a marcação de plural no sintagma nominal. Tarallo exemplifica (p.09) da seguinte forma:

1.    a S meninaS bonitaS (norma-padrão do português)
  aS meninas bonita (/); (o falante retém a variante [s] na posição de determinante e de nome-núcleo, mas lança da variante (/) para a posição de adjetivo modificador.)

  aS menina(/); bonita(/) ;  (o falante utiliza-se da variante não-padrão (/) nas duas posições finais do SN, retendo marca de plural somente na posição inicial.)

   A existência dessas variantes estabelece uma relação de batalha entre si, contudo, no desfecho dessa batalha, a vitória não é assegurada pelo status de uma variante padrão ou de prestígio. Embora haja essa “batalha”, Tarallo afirma que, na maioria das vezes, essas variantes coexistem em um mesmo período e até no mesmo espaço, portanto, o autor defende que a língua falada é caracterizada pela diversidade e pela heterogeneidade.
  A perspectiva do trabalho de Tarallo consiste na pesquisa sociolingüística, que de forma sistemática, descreve e analisa a língua falada. No capítulo dois – o fato sociolinguístico - o autor propõe uma metodologia de coleta de dados para que o pesquisador possa aprender a constituir o seu objeto de análise; e discute a relação entre teoria, método e objeto de estudo.
  De acordo com Tarallo, esse modelo teórico-metodológico tem como precursor o americano William Labov, contudo, ele não foi o primeiro sociolinguista a surgir no cenário da investigação linguística, seu modelo analítico é rotulado por alguns estudiosos de sociolinguística quantitativa, por operar com números e tratamento estatístico de dados coletados. (pp. 7-8). Conforme Tarallo, esse modelo teórico metodológico parte da linguística parte da identificação do objeto, o fato linguístico – a língua falada, definida como veículo linguístico de comunicação usado em situações naturais de interação social – que se constitui no acervo de informações para fins de confirmação ou rejeição de hipóteses, bem como, para o lançamento de hipóteses futuras. No que se refere à teoria, consiste na investigação científica sobre a língua, servindo como suporte para que se possa, então, definir os procedimentos metodológicos a serem empregados durante o estudo.
  Com relação à coleta de dados, Tarallo problematiza a questão de que ao se pretender estudar a língua em situações naturais de comunicação, o pesquisador teria grandes dificuldades para não interferir nessa necessária naturalidade. Destarte, o autor propõe que neste processo de coleta de material, o pesquisador não deve participar diretamente da situação de comunicação, fazendo, assim, o papel de pesquisador-observador. Em contrapartida, ele nos apresenta que a partir desse papel se estabelece um paradoxo, o pesquisador da área sociolinguística necessita participar diretamente da interação, para poder controlar os tópicos de conversa, eliciando as realizações da variável linguística que está interessado. Portanto, insurge um problema com relação à orientação teórico-metodológica do pesquisador, que necessita de grande quantidade de dados apenas coletados através de sua interação com o entrevistado, não podendo, porém, interferir na naturalidade do evento.
  Tarallo apresenta o método de entrevista sociolinguística – a coleta de narrativas de experiência pessoal - consiste na seleção dos falantes, organizados em módulos – classe social, faixa etária, etnia, sexo, nível de escolaridade – e entrevistados seguindo um roteiro de perguntas com o acompanhamento de um gravador, sem que este seja visto como um elemento de intimidação pelo falante.


                    “Os estudos de narrativas de experiência pessoal têm demonstrado que, ao relatá-las, o informante está envolvido emocionalmente com o que relata que presta o mínimo de atenção ao como. E é precisamente esta situação natural de comunicação almejada pelo pesquisador sociolinguista.” (p.22) Ou ainda: “Na estrutura da narrativa Labov salientou as seguintes partes: resumo, orientação, complicação da ação, resolução da ação, avaliação e coda (...)” (p.23)

   Ainda segundo o autor, é necessário, também, que o sociolinguista tenha o cuidado em não pronunciar o termo língua, bem como, adequar o seu falar ao do grupo entrevistado.
No terceiro capítulo - “Variação Linguística: primeira instância” -, Tarallo discute a preparação do envelope de variação (considerado pelo autor como a descrição detalhada das variantes. (p. 33)); o elenco das variantes concorrentes dentro de uma variável; e o levantamento das hipóteses. No que se refere à concorrência das variantes, o autor afirma que o sociolinguista tem a incumbência de analisar essa situação de conflito, buscando formas para desmascarar a assistematicidade do caos; nesse sentido, o sociolinguista deve traçar um perfil individual das variantes, identificando e enumerando as que são adversárias no campo de batalha. Tarallo exemplifica com a marcação de plural do sintagma nominal no Português falado no Brasil, apresentando o seguinte envelope de variação: á variável demarcação do plural correspondem as variantes padrão e não-padrão cortadora do .
Tarallo afirma que o pesquisador deve constatar as especificidades das variantes, levando em consideração o contexto de cada uma. Os contextos são considerados como os fatores condicionantes, que, decerto, influenciam nas variantes. No que se refere às hipóteses de trabalho, constituem o levantamento de todos os contextos que influenciam na realização de uma variável.
A motivação das hipóteses é denominada pelo autor de encaixamento lingüístico. Tarallo exemplifica com uma variável de natureza sintática: os pronomes de terceira pessoa em função de objeto do verbo. À pergunta “Você conheceu aquele homem?” têm-se três possíveis respostas em Português: “Eu o conheço”, “Eu conheço ele” e “Eu conheço”. Nessa batalha sintática em função de objeto três variantes se defrontam: uma padrão e duas não-padrão, sendo que a última apresenta uma “anáfora zero”, ou seja, o verbo não apresenta objeto pronominal expresso.
O autor ressalta que o levantamento dos fatores extralinguísticos cabe ao pesquisador, que se deve perceber como falante e conhecedor da comunidade:

“Desenvolva o detetive que há em você! Use e abuse de suas próprias armas e artimanhas para desmascarar cada variantes! Na caminhada pelo corpus procure concentrar-se mais e mais variantes! Respostas chegarão a você naturalmente e suas atividades de investigador/detetive lhe parecerão, a cada novo fato desvendado, mais estimulantes.” (p.46)

No quarto capítulo intitulado “A variação linguística: segunda instância”, Tarallo discute a noção de estereótipos e dos marcadores e indicadores sociolinguísticos; bem como, a questão sobre variação e normalização linguística; discute também, o papel desempenhado pela língua e pelos meios de comunicação de massa na estandardização linguística; e, por fim, os parâmetros extralinguísticos: classe social, faixa, etária, sexo, etnia, estilo.
Tarallo aborda neste capítulo, a ideia de avaliação das variáveis sociolinguísticas do falante de uma maneira geral, ao contrário do capítulo anterior que considerou a ótica do pesquisador. Partindo das pesquisas feitas e do conhecimento já adquirido sobre a comunidade, o pesquisador intui o papel atribuído às variantes pela comunidade de falantes. Dessa forma, o tratamento estatístico dos dados indicará que alguns grupos de fatores são responsáveis pela implementação de uma variante, enquanto que outros grupos não demonstram qualquer efetividade na aplicação da regra variável.
O autor afirma que o pesquisador pode submeter seus informantes a uma situação experimental – os testes sociolinguísticos – que visa a avaliação (Observar como os falantes de um dada comunidade reagem em relação à variação de sua língua: de forma positiva, numa relação de aceitação; de forma negativa, numa relação de rejeição; ou de maneira neutra. (p.51) da variante pelos informantes. Esses testes podem ser de percepção, que consiste na manifestação do informante com relação à aceitabilidade ou não de certas variantes; ou de produção, que se baseia na inserção de mecanismos que levem o informante a construir a variável.
Tarallo considera a língua falada como heterogênea e variável, contudo, essa variabilidade é passível de sistematização, haja vista que esta modalidade da língua é um sistema variável de regras. Esse sistema de variação deve corresponder às tentativas de regularização e normalização A língua escrita é proveniente da regularização, é ensinada nas escolas tendo como suporte a norma padrão portuguesa, assegurando, dessa forma, a unidade da língua nacional. Nesse sentido, o autor propõe a investigação de fontes de dados que tenham como objetivo a unificação da língua nacional, como por exemplo, os meios de comunicação de massa (a televisão, o rádio e o jornal); o autor ainda afirma que, embora esses meios priorizem a norma culta, possuem traços variáveis de informalidade, característicos da fala.
Tarallo conclui este capítulo propondo uma ampliação do conceito de gramática, que segundo ele, deveria abranger a forma (estrutura) e a substância (uso) da língua, levando em consideração a noção do uso lingüístico e a caracterização da comunidade de fala através de seus traços referenciais e socioestilísticos:

“Assim também é a classe social, a etnia, o sexo, a faixa etária do falante. É somente através da correlação entre fatores lingüísticos e não-lingüísticos que você chegará a um melhor conhecimento de como a língua é usada e de que é constituída. Cada comunidade de fala é única; cada falante é um caso individual. A partir do estudo de várias comunidades, no entanto, você chegará a um macrossistema de variação: os resultados de vários estudos começarão a lhe dar pistas para estudos posteriores.(...)” (p.62)

No capítulo cinco – “A variação e mudança linguísticas” - tem como enfoque a questão da linguística histórica, no que se refere à transição e a implementação de variantes, de um momento do sistema linguístico para outro. Tarallo faz, também, uma revisão da dicotomia saussureana entre sincronia (estudo transversal da língua em um determinado grupo) e diacronia (estudo longitudinal da língua através do tempo).
O autor afirma que a batalha entre variantes tem como desfecho uma relação de contemporização – estabilidade das adversárias num processo de subsistência ou coexistência –, ou de morte – mudança em progresso. Em ambos os casos as variantes dispõe de certas armas, isto é, grupo de fatores condicionadores linguísticos e não-linguísticos. A este modelo de análise, compreensão dos processos de variação e de mudança linguísticas, Tarallo acrescenta outra dimensão: a história. Nesse sentido, o autor defende que essa dimensão se justifica porque a estrutura de uma língua somente será entendida como um todo à medida que se compreendam efetivamente os processos históricos de sua configuração.
Segundo o autor, o princípio de uniformidade rege as suas investigações, tendo-se em vista que as forças que atuaram no momento sincrônico presente são as mesmas que atuaram no passado; dessa forma, é possível desenvolver a pesquisa sobre a história de uma língua, fazendo uma espécie de “viagem de ida de volta” – do presente ao passado e de volta ao presente. Entretanto, o autor problematiza a questão de como uma pesquisa que se refere à língua falada poderia integrar uma dimensão histórica, sobretudo, com a ausência de registros orais (fitas gravadas) no passado.
Tarallo afirma que a solução deste problema se dá com a realização de um recorte transversal, que consiste no acréscimo de uma dimensão histórica à análise linguística. Essa dimensão, mais necessariamente, o tempo aparente, fundamenta-se na divisão de grupos de informantes por faixa etária. Há ainda uma segunda dimensão, o tempo real, que tem como suporte a análise de documentos como o Atlas linguístico, cartas pessoais, diários, textos teatrais e em prosa, dentre outros.
O acréscimo da dimensão histórica ao estudo da língua, tomando como base o aparente e o real tem como desdobramento dois outros elementos no processo de análise: a transição (como e por quais caminhos a língua muda) e a implementação (por que, quando e onde determinada mudança ocorreu) de variáveis. O autor utiliza como exemplo (pode-se constatar a luta entre três variantes: a padrão que privilegia o uso da gramática normativa, a relativa com pronome lembrete e a cortadora. (p. 74)) o emprego de pronomes relativos nas orações subordinadas:

(1) Este é o homem com quem eu falei ontem.
(2) Este é o homem que eu falei com ele ontem.
(3) Este é o homem que eu falei ontem.

No capítulo seis – Conclusões – Tarallo retoma a questão da heterogeneidade, demonstrando que é possível sistematizar a língua falada, mesmo com a coexistência de variantes em um mesmo período histórico, dessa forma, o autor critica a idéia de homogeneidade da língua. Discutindo, também, a questão da incorporação de universais linguísticos de variação e de mudança (fatores condicionadores linguísticos e não-linguísticos).



O conceito de transmissão linguística irregular e o processo de formação do português no Brasil

LUCCHESI, Dante. O conceito de transmissão linguística irregular e o processo de formação do português no Brasil. In: RONCARATI, Claudia; ABRAÇADO, Jussara (orgs.) português brasileiro: contato linguístico, heterogeneidade e história. Rio de Janeiro: 7 letras, 2003.

  Dante Lucchesi desenvolve uma interpretação sobre a história sociolingüística do Brasil, com base na visão de que a realidade linguística brasileira é polarizada, refletindo, deste modo, o seu processo histórico de formação; em que os padrões linguísticos de uma pequena elite letrada, fortemente influenciada pelo padrão normativo de Portugal, opõem-se aos padrões linguísticos da grande maioria da população brasileira não escolarizada. Esses padrões linguísticos populares, ou vernáculos, do Brasil teriam sido afetados em sua formação histórica pela aquisição precária do português por milhões de escravos africanos e índios brasileiros e pela nativização desse modelo precário de português falado como segunda língua pelos descendentes mestiços desses segmentos. Dessa forma, o seu artigo intitulado “O conceito de transmissão linguística irregular e o processo de formação do português no Brasil (2003)” tem como objetivo:

“O objetivo desse artigo é chamar atenção para a necessidade de a crioulística  desenvolver uma compreensão sistemática para tal processo histórico, extremamente relevante em termos demográficos. Através do conceito de transmissão irregular, pretende-se delinear os parâmetros sócio-históricos e lingüísticos que possam servir de base para uma visão sistemática dos processos históricos de mudanças induzidas pelo contato entre línguas que não resultam na formação de pdgins e crioulos típicos”

  Lucchesi afirma que o conceito de transmissão lingüística irregular por ele adotado, designa os processos históricos de contato massivo e prolongado entre as línguas, nas quais a língua que mantém o poder político é tomada como modelo ou referência para os demais segmentos. Esse contato pode conduzir à formação de uma língua nova, denominada língua pidgin, ou crioula, ou à simples formação de uma nova variedade histórica da língua que predomina na situação de contato.
  Segundo Lucchesi, no plano linguístico, no momento em que uma grande parcela de adultos é forçada a adquirir uma segunda língua emergencialmente em função de relações comerciais e/ ou de sujeição, a variedade dessa língua alvo que se forma nessa situação, apresenta uma forte redução/simplificação em sua estrutura gramatical, posto que só os elementos essenciais necessários ao preenchimento das funções comunicativas básicas são mantidos. Esta redução na estrutura gramatical deve-se a:
. “ (i) ao difícil acesso dos falantes das outras línguas aos modelos das línguas alvo, sobretudo nas situações em que os falantes dessa língua alvo são numericamente muito inferiores aos falantes  das outras línguas;
(ii) ao fato de os falantes dessas outras línguas serem, em sua grande maioria, adultos, não havendo, pois, o acesso aos dispositivos da faculdade da linguagem, que atuam naturalmente no processo de aquisição da língua materna;
(iii) á ausência de uma ação normatizadora, ou seja de uma norma ideal que oriente e restrinja o processo de aquisição/nativização, já que esse processo tem como objetivo fundamentalmente a comunicação emergencial com os falantes da língua alvo.” 

  Ainda segundo o autor, com o prolongamento da situação de contato, essa variedade da língua alvo falada como segunda língua pelos indivíduos dos grupos dominados, por ser socialmente mais viável, vai progressivamente assumindo novas funções na rede de interação lingüística, ao tempo em que se vai convertendo em modelo para a aquisição da língua materna dos descendentes dos falantes das outras línguas. Na medida em que o primitivo código de comunicação emergencial, por suas limitações estruturais, é incapaz de atender às demandas decorrentes de sua expansão funcional, é preciso que haja também um incremento da estrutura gramatical desse código de emergência, seja através da gramaticalização de itens lexicais oriundos da língua alvo, seja através da incorporação de dispositivos gramaticais das outras línguas na estrutura da nova variedade linguística. Deste modo, a expansão gramatical do código de comunicação emergencial ocorre principalmente através dos processos de reestruturação original da gramática e através da transferência de estrutura provenientes das outras línguas, no que se costuma denominar em crioulística de influência de susbstrato.
  No que se refere esta questão do substrato, Lucchesi afirma que no caso do Brasil, existe um problema de ordem histórico-demográfica, que consiste na grande heterogeneidade linguística do substrato proveniente das transplantações de africanos para a América, bem como, o estigma que carregava a herança cultural africana nas sociedades coloniais. Portanto, Lucchesi tende nas suas discussões a não se centrar tanto na questão do substrato, em detrimento de uma discussão mais pautada na reestruturação original da gramática.
  O autor afirma que a diferença entre os casos de transmissão linguística irregular mais leves e os casos típicos de crioulização e pidginização estaria, em parte, situada no grau de intensidade desses processos de mudança. Nos processos típicos de crioulização, ocorreria uma perda da morfologia flexional tanto do nome quanto do verbo, e das regras de concordância a elas associadas. Esse é o caso, por exemplo, dos crioulos de base portuguesa da África. Nos crioulos portugueses de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe, as regras de concordância nominal e verbal do português foram praticamente eliminadas. Nessas ocorrências, os processos de gramaticalização que ocorrem nas fases de reestruturação da nova variedade linguística emergente seriam bastante profundos.
  Ainda afirma que o chamado português popular do Brasil (PPB) se caracteriza pelas marcas crioulizantes, e atualmente fica circunscrita às variedades rurais mais refratárias, ao longo de toda história, à influência normatizadora dos círculos institucionais urbanos. Essa modalidade linguística se caracteriza pela eliminação de marcas morfológicas da 2ª pessoa da flexão verbal, e na maioria das vezes a utilização do pronome você eliminou a morfologia da 2ª pessoa; mas mesmo onde o tu sobrevive, não ocorre geralmente à concordância verbal, em claro contraste com o que ocorre com o português europeu (PE).
  Lucchesi ratifica que o processo de transmissão linguística irregular é de vital importância para o entendimento do desenvolvimento histórico do português do Brasil e da sociolinguística do continente americano como um todo. Concluindo que: “Podemos assumir, então, que em todo e qualquer processo de transmissão linguística irregular desencadeado pelo contato entre língua ocorre, em maior ou menor grau, perda de morfologia flexional e de regras de concordância nominal e verbal.” (p.282)

Línguas européias de ultramar: o português do Brasil



CÂMARA JR., J. Mattoso. Línguas européias de ultramar: o português do Brasil. In: CÂMARA JR. J. Mattoso. Dispersos. Rio de Janeiro: Fundação  Getúlio Vargas, 1975. p.71-87.


  Câmara Jr. inicia seu texto intitulado “Línguas européias de ultramar: o português do Brasil” afirmando que o português do Brasil apresenta problemas técnicos de análise comparativa entre a língua transplantada e a sua congênere no habitat europeu, haja vista que, a questão das condições social e linguística do mundo ocidental moderno dá a essa transplantação de línguas, provenientes de movimentos migratórios, uma conotação complexa.
  O autor problematiza essa questão a partir do exemplo da língua grega fora da Grécia: nas colônias itálicas e da Ásia Menor, que se caracterizou pelo sentimento coletivo de uma unidade lingüística complementado pelo sentimento de uma unidade cultural. Contudo, o autor expõe que o grego antigo foi um ideal lingüístico, pois reunia, mesmo na língua literária, dialetos diversificados. Essa diversidade se dava graças ao fato de que cada cidade grega, metropolitana ou colonial, era em princípio uma unidade em si mesma, que cabia o direito de ter uma língua autônoma dentro de um mosaico lingüístico geral.    Ainda segundo Câmara Jr.: “Nunca na Grécia se apresentou a antinomia de uma língua metropolitana e outra fora da metrópole, como se apresenta para o inglês da Inglaterra e o da América do Norte e Austrália, ou entre o Espanhol da Espanha e o do América espanhola, ou entre o português de Portugal e o do Brasil.” 
  Voltando a discussão acerca dos tempos modernos, Mattoso afirma que o desenvolvimento do nacionalismo na Europa – com Estados coesos e unitários – foi o traço político e social mais marcante desse período. A coesão e a unidade, enquanto ideal social, se estendeu à língua, onde se criou uma norma que tinha como suporte uma disciplina gramatical rígida, que procurou impor-se, na tentativa de alcançar o status de língua nacional. Nesse contexto, a língua escrita, mais necessariamente a literária, cumpria com esse ideal, tornando-se um modelo concreto, e, conseqüentemente, a língua oral e a diversificação dialetal foram relegadas. 
  Essa tentativa de conceituação e fixação de uma língua acarretou, durante o período da colonização ultramar, a visão de que a língua colonial, assim como os dialetos da metrópole, era fruto da ignorância e da bruteza, e, portanto, estava em condição inferior com relação à língua standard, que se caracterizava pela educação e refinamento social. Em contrapartida, com a Independência das colônias americanas e da Austrália, essas se tornaram nações livres, e eram politicamente colocadas no mesmo nível que as suas antigas mães pátrias, ocasionando, dessa forma, um mal estar com a conceituação lingüística já estabelecida.
  Contudo, Mattoso afirma que, ocorreu nesse período da Independência uma espécie de perplexidade doutrinária em matéria de língua. Diante deste impasse, a solução adotada consistiu na separação da língua do conjunto dos elementos culturais da nova nacionalidade e na tentativa de mantê-la subordinada a norma metropolitana. Especificamente no Brasil, essa solução ficou sob responsabilidade dos gramáticos e filólogos oficiais, dentre eles, se encontrava a figura de Mário Barreto, que teve como associado, na prática da língua literária, o orador e escritor político Rui Barbosa.
  Câmara Jr. expõe que, em contraposição a idéia da subordinação do português do Brasil à norma de Portugal, existiam autores que tentaram estabelecer uma norma lingüística nova, fundamentada no uso geral do Brasil; como é caso, logo após Independência, de Visconde da Pedra Branca, bem como filólogo e direcionista Macedo Costa, que afirmou: “já é tempo de escrevermos como se fala no Brasil e não como se escreve em Portugal”. Câmara Jr. cita  também, outros autores que se dedicaram na discussão acerca da língua “nacional”, dentre eles se encontrava: José Jorge Paranhos da Silva, Batista Caetano e Renato Mendonça; no âmbito da produção literária, se destaca a presença de José de Alencar. Quanto a Renato Mendonça, procurou fundamentar a sua idéia de “língua brasileira” nas idéias lingüísticas sobre “evolução”  e noutras sobre a influência dos substratos lingüísticos, que Ascoli desenvolvera partindo da linguística românica.
Posteriormente, Mattoso (p.116-117) faz uma análise das línguas indígenas no Brasil, que segundo ele, constituem um complexo conjunto de sistemas muito diversos tanto genética como tipologicamente, porém foram substituídas no intercurso dos índios com os brancos por uma língua única: o chamado tupi, que era a língua da costa brasileira, da Bahia e do Rio de Janeiro. Essa utilização do tupi como única língua, representa, na verdade, um modelo ocidental de uma língua de comunicação (a língua geral), que foi posta a serviço da catequese e passou a servir de meio de contato entre  os indígenas e os brancos; e teve como conseqüência, a adoção dessa língua geral por diversas proveniências étnicas indígenas no seu processo de aculturação.
De acordo com Mattoso (p.117), essa língua geral, como língua de intercurso, despojou-se de seus traços fonológicos e gramaticais mais típicos para poder se adaptar à consciência linguística dos brancos e o português, nela atuou assim, impressivamente como “superestrato”. Dessa forma, o tupi missionário só trouxe para o português do Brasil empréstimos lexicais, que se adaptaram à fonologia e à gramática portuguesa.
Mattoso Câmara contrapõe as línguas indígenas com as africanas, afirmando que os escravos negros adaptaram-se ao português sob a forma de um falar crioulo. Nas fazendas da época colonial e do Império o contato dos senhores brancos com seus escravos se dava de forma estreita, ocasionando, dessa forma, inovações e simplificações do português do Brasil em face do europeu.
O autor critica a idéia de substrato africano ou indígena no sentido de a partir disso ter se constituído uma nova língua no continente americano, bem como a afirmação de que houve uma mistura lingüística. Pois este adota a posição de Antoinne Meillet, que consiste na idéia de que cada nação possui “uma consciência linguística coletiva” que estabelece “uma realidade social” de unidade lingüística em meio de uma diferenciação dialetal. Dessa forma, Mattoso Câmara conclui que nenhum falante brasileiro tem consciência de falar uma língua distinta do português europeu, que há nele um sentimento de comunidade e unidade linguística.
   Mattoso Câmara afirma que se faz necessário uma reformulação do problema da língua nacional; inicialmente, deve-se passar a considerá-la como um organismo dinâmico, ao contrário da idéia de língua “fixada” de forma unitária e rígida. Ao se desconstruir o “mito” da unidade linguística, a língua é entendida em suas especificidades, pois esta se diversifica no espaço em dialetos, como também se diversifica entre as camadas sociais de um dado lugar.


“(...) A língua está de tal modo ligada à sociedade e à cultura, que a diferenciação cultural e social entre a produção européia e a congênere americana, desde a época em que uma representava a metrópole e a outra a colônia, determinou uma dicotomia lingüística. Não é uma ficção falar num português americano, em bloco, em face do bloco do português europeu. Talvez o quadro mais exato da dialetologia portuguesa ampla, compreendendo de um e outro lado do Atlântico, seja a de dois grandes dialetos, o lusitano e o brasileiro, que por sua vez se diferencia numa multiplicidade de subdialetos.”  


Mattoso Câmara faz um paralelo entre o que ele denomina de dialetos português e europeu,  afirmando, então, que a diferenciação entre ambos se dá essencialmente no quadro de uma superestrutura comum: no âmbito fonológico, morfológico e sintático. Mas essa diferenciação se refere à língua corrente, usual e falada, haja vista que, a norma lingüística portuguesa européia se mantém na língua escrita e literária ainda presa a uma espécie de período clássico. Essa manutenção da norma lingüística européia persiste porque a língua escrita e literária no Brasil constitui um traço de união no seccionamento dialetal do país.
  A partir da cisão entre a língua escrita e literária em face da língua coloquial, Mattoso Câmara, limita-se à análise de duas discordâncias bastante marcadas entre ambas – uma de ordem fonológica e outra de ordem gramatical. Esta análise foi feita pelo autor com o intuito de se demonstrar que há uma variação com relação à língua oral espontânea ou à língua escrita, que por sua vez exerce influência sobre a língua oral formalística, comprovando dessa forma, a complexidade existente entre o português do Brasil face ao de Portugal,
  Mattoso Câmara conclui seu texto ratificando que para a língua coloquial oral temos uma rede de subdialetos, que se reúnem em dois grandes dialetos: o lusitano e o brasileiro. No âmbito da questão escrita há uma única norma para Portugal e Brasil, contudo, esta norma está se diferenciando no Brasil devido ao influxo da língua coloquial oral. O autor também conclui que essa diferenciação não resultará numa norma escrita exclusivamente brasileira, pois a escrita brasileira mantém uma ligação com a de Portugal, se constituindo como uma espécie de “ponte larga de trânsito” entre os dois países.

A questão da periodização da história linguística do Brasil


LOBO, Tânia Conceição Freire. A questão da periodização da história linguística do Brasil. In: CASTRO, Ivo; DUARTE, Inês (orgs.). Razões e emoção: miscelânia de estudos em homenagem a Maria Helena Mira Mateus. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 2003     .

  Nas páginas preliminares do seu texto intitulado “A questão da periodização da história linguística do Brasil” (2003), Tânia Lobo afirma que o assunto a ser discutido é um tema um tanto “datado” e, talvez, já mesmo superado no que concerne aos assuntos considerados relevantes pelos historiadores da língua portuguesa no Brasil. Contudo, a autora objetiva neste texto, apresentar uma nova proposta de periodização da história linguística do Brasil, que, segundo a mesma (p.396), embora passível e certamente sujeita a reformulações posteriores, se pauta em critérios mais de natureza sociolinguística, através dos quais se divisam dois grandes quadros históricos essencialmente distintos nos 500 anos de história da língua portuguesa no Brasil.
  Antes de nos apresentar a sua proposta, Tânia Lobo afirma que as propostas de periodização da história de uma língua podem basear-se em fatores internos – mudanças que a estrutura da língua sofre – ou, mais frequentemente, em fatores externos – mudanças sócio-históricas supostamente correlacionadas às mudanças estruturais.    Dessa forma, a autora vai nos apresentar as periodizações existentes elaboradas por Serafim da Silva Neto, Paul Teyssier e Marlos de Barros Pessoa, e ressalta que essas três propostas de periodização para a história do português no Brasil se basearam exclusivamente em fatores externos.  No que se refere a periodização de Serafim da Silva Neto:
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  Primeira fase: de 1532 (início da colonização) a 1654 (expulsão dos holandeses). Povoamento da costa: escassez do elemento branco; em alguns pontos, mais cedo que em outros, inicia-se o processo que resultará no predomínio da população negra sobre a indígena; a língua geral é necessária a todos; bilingüismo generalizado;
  Segunda fase: de 1654 (a partir de quando, extinta a ameaça holandesa, se teria marcado em definitivo o caráter português da colonização do Brasil) até 1808 (com a chegada da família real portuguesa). Povoamento do interior: cresce a influência dos brancos e dos negros; rareia o elemento indígena; a língua geral vai paulatinamente deixando de ser utilizada, até limitar-se às povoações do interior e aos aldeamentos dos jesuítas; o período que vai de meados do século XVII a meados do século XVIII representa o clímax da expansão territorial: faz-se o povoamento do interior com as massas do litoral, compostas, em percentagens diversas, de índios, negros, mestiços e brancos “decaídos”, que se expressavam através de um crioulo ou semicrioulo;
  Terceira fase: a partir de 1808. Urbanização: as elites rurais emigram para as cidades; dualidade lingüística entre a nata social (constituída por brancos e mestiços que ascenderam socialmente), exposta, cada vez mais, à influência da escolarização, e outro estrato social, constituído pelos descendentes dos índios, negros e mulatos da Colônia. (LOBO, 2003, pp. 397-398)
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  Tânia Lobo critica essa proposta de Serafim da Silva Neto, destacando, inicialmente, a falta de coerência entre a caracterização de cada uma das três fases que este apresenta, bem como a tese defendida pelo autor de que o português brasileiro é unitário e conservador. Critica também o destaque dado para a ocupação holandesa, que segundo ela, não se justifica em uma proposta de periodização da história linguística brasileira, na medida em que a presença holandesa no Brasil, tendo durado apenas vinte e quatro anos, não teve conseqüências no plano da linguagem.
  Posteriormente, a pesquisadora apresenta a proposta de Paul Teyssier, que se caracteriza da seguinte forma:
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  Primeira fase: o período colonial até a chegada de D. João VI (1808): o português europeu falado pelos colonizadores portugueses vai adquirindo traços específicos; os aloglotas aprendem o português de forma imperfeita; o português coexiste com a língua geral – um tupi que, simplificado e gramaticalizado pelos jesuítas, se torna língua comum; conservam-se muitas línguas indígenas particulares, denominadas línguas travadas; Segunda fase: da chegada de D. João VI (1808) à Independência: período da “relusitanização” do Rio de Janeiro, com a chegada da família real e de uma população de 15 000 portugueses; Terceira fase: o Brasil independente: a chegada de imigrantes europeus – sobretudo no período que se estende entre 1870 e 1950 –, a extinção do tráfico negreiro e a diluição dos índios na mestiçagem brasileira contribuem para o “branqueamento” do Brasil contemporâneo; o país urbaniza-se e industrializa-se; nas grandes cidades, elabora-se o português brasileiro.  (LOBO, 2003, p. 398)
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  Tânia Lobo a considera como a proposta menos elaborada dentre as três, graças ao caráter conciso da sua História da Língua Portuguesa, sobretudo, quanto à justificativa de Paul Teyssier para a segunda fase – avaliada como muito breve para dar conta de mudanças significativas no plano linguístico em todo o Brasil e mesmo na cidade do Rio de Janeiro, exceto, talvez, se considerássemos como representativo do português brasileiro do período em questão apenas o comportamento linguístico das elites coloniais que habitavam a Corte. A autora também critica a minimização ou mesmo a omissão da participação do contingente negro na proposta do autor.
  No que se refere à última proposta, a de Marlos de Barros Pessoa, estrutura-se em: 
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  Primeira fase: de 1534 (divisão do país em capitanias hereditárias) a 1750 (descoberta do ouro nas Minas Gerais e modernização do estado português com as reformas pombalinas). “Estágio de multilingüismo, com variedades de línguas e formação de variedades lingüísticas regionais.”
  Segunda fase: de 1750 a 1922. A segunda fase apresenta-se dividida em três subfases: Primeira subfase: de 1750 (descoberta do ouro nas Minas Gerais e modernização do estado português com as reformas pombalinas) a 1808 (transferência da família real portuguesa e urbanização da sociedade brasileira). “Período de koineização de diferentes variedades, que seria uma espécie de pré-koineização da língua comum.” Segunda subfase: de 1808 (transferência da família real portuguesa) a 1850 (fim do tráfico de escravos). “Subestágio de formação da língua comum, com formação paralela de normas locais.”  Terceira subfase: de 1850 (fim do tráfico de escravos) a 1922 (fim do predomínio das oligarquias, surto industrial, emergência do movimento modernista brasileiro). “Subperíodo de estabilização da língua comum e das normas locais.”
  Terceira fase: a partir de 1922. “Estágio de elaboração da língua literária.” (iden. p.399)
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  Tânia Lobo  critica  dois aspectos da estrutura de Marlos de Barros Pessoa: o primeiro refere-se ao fato do autor ter considerado em uma mesma proposta de periodização linguística, a história da língua falada e a história da língua literária. O segundo aspecto diz respeito às fases propostas para a periodização e a caracterização de cada uma delas individualmente: o multilinguismo é apresentado como um traço marcante apenas para o período que se estende de 1534 a 1750.
  A autora cita Fernando Tarallo (1993) e a sua concepção de que a partir da articulação entre diversas mudanças sintáticas que teriam afetado o sistema pronominal e a ordem das palavras, seria possível observar-se, na passagem do século XIX ao século XX, a configuração de uma “gramática” brasileira distinta da “gramática” do português europeu. Tânia Lobo afirma (p.401) que essa identificação de um conjunto inter-relacionado de mudanças em um dado momento da história de uma língua é o suficiente para sustentar uma proposta de periodização. Ainda expõe que embora não tenha havido por parte de Tarallo uma preocupação sistemática no sentido de correlacionar as mudanças estruturais analisadas a fatores sócio-históricos, tal correlação é apontada por Mattos e Silva.

  Na parte 1.2 - Elementos para uma nova proposta - Tânia Lobo sugere novos elementos que poderiam ser adotados para a elaboração de uma periodização da história da língua no Brasil, segundo a autora, sua sugestão é um tanto econômica e se beneficia da leitura das propostas anteriores. Neste caso, se tornou funcional utilizarmos um quadro sintético expondo estes elementos:

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ELEMENTOS PARA UMA NOVA PROPOSTA
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Aspectos Fundamentais
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  A história demográfico-lingüística brasileira   
  O crescimento populacional associado ao processo de urbanização do país
  O processo de escolarização associado ao processo de estandardização lingüística
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 Fases
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  multilinguismo generalizado;
  não-urbanização; não-escolarização;
  não-estandardização linguística;   
  multilinguismo localizado;
  urbanização;
  escolarização;
  Estandardização lingüística.
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  Fatos para a compreensão dos caminhos da história linguística brasileira
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  A passagem de um contexto de país generalizadamente multilíngue a um contexto de país generalizadamente unilíngue e localizadamente multilíngue;
  Crescimento populacional associado à transformação do país da condição de eminentemente rural à condição de eminentemente urbano;
  O crescimento dos índices de escolarização, retirando o país da condição de iletrado e inserindo-o em um contexto de país com baixos índices de letramento.
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   Posteriormente, Tânia Lobo discute mais pormenorizadamente cada um dos três fatos por ela destacados. Em 1.2.1. - Do multilinguismo generalizado ao unilinguismo generalizado - a pesquisadora discute a questão do Brasil ser, atualmente, um país formado majoritariamente por unilíngues, cuja língua materna é o português. Contudo, afirma que há cerca de 170 línguas indígenas sobreviventes que são faladas por uma exígua população de aproximadamente 250 mil indivíduos; bem como os vestígios de utilização de línguas africanas em situações de práticas rituais religiosas e o fenômeno das “línguas secretas”, existentes, como por exemplo, no Cafundó. Por outro lado, em virtude do processo de imigração, deflagrado, sobretudo, a partir de meados do século XX, subsistem, na condição de línguas minoritárias, o alemão, o italiano, o japonês e outras línguas, cujo número de falantes vem sendo, todavia, progressivamente reduzido.
   A autora também estabelece um quadro temporal que se dá desde o processo de colonização no século XVI a metade do XIX, a partir do tempo de contato-concorrência entre línguas indígenas, línguas africanas e a língua portuguesa, tendo, ao final, prevalecido o uso desta última. Tânia Lobo nos chama a atenção para o estabelecimento do processo de aprendizagem informal do português como segunda língua por parte de uma massa de falantes, dentro das variadas formas locais de contato lingüístico, em diversos momentos históricos. Também essalta que na história do Brasil, o século XVI costuma desenhar-se como o da fixação litorânea; o século XVII, como o da expansão territorial, iniciando-se já a conquista das terras do interior, e o século XVIII, como o da consolidação em definitivo do projeto colonial português. Salienta também, que uma característica evidente desse período consiste no processo de formação do português rural brasileiro, não-uniforme:

“(...) A variação linguística, produto desse momento, é de natureza marcadamente diatópica, opondo as várias regiões, distintas entre si, em virtude de variadas configurações histórico-demográficas e culturais. Nesse país eminentemente rural e com taxas (quase) nulas de alfabetização, a fala das elites também terá sofrido o influxo das mudanças que paulatinamente foram dando conformação ao português vernáculo brasileiro. Dizendo de outra forma, a variação diastrática entre falantes nativos do português brasileiro terá sido bastante menos marcada que a atual, pois ainda não existia uma parcela significativa da população brasileira cujo comportamento linguístico fosse definido pelos modelos difundidos pela escolarização; portanto, as diferenças entre a fala dos indivíduos integrantes da elite e a fala dos indivíduos integrantes dos estratos desprestigiados socioeconomicamente deveriam ser menores que as observadas atualmente.”  (p.404)

  Em 1.2.2.  - De país rural a país urbano - Tânia Lobo nos apresenta uma tabela de Baronni  (1939) com dados em ordem cronológica, com o intuito de se visualizar não apenas o crescimento da população brasileira, mas também, em paralelo, o processo de urbanização do país. Segundo a pesquisadora, esses dados apontam que o processo de urbanização do Brasil é um fenômeno bastante recente; tornando-se sensível nas décadas de 40 e 50, mas, de fato, implementa-se em todo o país a partir da década de 80. Ainda segundo a mesma, a importância de se estudar o impacto dos dialetos rurais sobre os dialetos urbanos e vice-versa é, pois, uma das questões mais discutidas nas pesquisas linguísticas brasileiras, a fim de que se possa compreender a verdadeira face do português brasileiro contemporâneo.
  Em seguida, Tânia Lobo utiliza uma tabela de Brandão (1996), em que se incluem as décadas de 60 e 70, discriminando os dados por regiões, o que permite constatar que a urbanização não ocorreu simultaneamente em todas as partes; e que a região Sudeste, estando na vanguarda do processo, ainda hoje é a região mais urbanizada do país. A partir da observação do impacto exercido pela urbanização do país na sua história linguística a autora afirma que:
a)       Na primeira fase, o país é eminentemente rural, e a sua diversidade linguística caracteriza-se, principalmente, pela oposição dos dialetos rurais entre si;
b)       Na segunda fase, o Brasil torna-se um país eminentemente urbano, e a variação diatópica esbate-se em favor de uma variação de tipo diastrático, que opõe falantes de níveis socioculturais distintos, com as classes baixas urbanas passando a ser integradas progressiva e majoritariamente pela população de origem rural e por seus descendentes.
  Na parte 1.2.3.   intitulada - De país analfabeto a país parcialmente alfabetizado -, Tânia Lobo conclui seu texto “A questão da periodização da história linguística do Brasil” com a análise da escolarização associada à estandardização linguística. Portanto, ela estabelece, de forma cronológica, o índice de letrados no Brasil, do século XVI ao início do XX, substanciando a sua argumentação com a utilização dos dados presentes numa tabela de Fernandes 1966, apud Ribeiro 1995.
   Para encerrar, emprega os dados do censo demográfico de 1991, relacionados ao nível de escolarização dos brasileiros, para poder fazer alusão ao que foi discutido ao longo do texto, concluindo, então, que “enquanto na primeira fase da história da língua portuguesa no Brasil, não se pode indicar uma real interferência de uma norma padrão (difundida por um sistema formal de educação) sobre o português vernáculo brasileiro (...), na segunda fase, tal interferência, ainda que baixa, se verifica”. (p. 408)

Variantes nacionais do português: sobre a questão da definição do português do Brasil



LOBO, Tânia Conceição Freire. Variantes nacionais do português: sobre a questão da definição do português do Brasil. Revista Internacional de Língua Portuguesa, Lisboa, v.12, p.9-15, dez. 1994.



  Tânia Lobo inicia seu texto “Variantes do português: sobre a questão da definição do português do Brasil” afirmando que o português brasileiro, por ter sido uma língua transplantada, suscita interpretações controversas com relação à sua autonomia enquanto sistema linguístico, que se contrapõe com a tese de que este mantém um caráter conservador e unitário.
  Segundo a autora, essa contraposição de interpretações perdura ainda hoje e se iniciou na segunda metade do século XIX, tendo como as suas principais motivações dois fatos da história cultural e política do Brasil: a Independência e o movimento romântico na literatura. Tânia Lobo ressalta que o Romantismo constituiu o primeiro momento de ruptura com a tradição literária portuguesa, não tão somente na eleição de uma temática nacional, pois se estendeu, também, na busca de uma língua literária diferenciada, que pudesse ser identificada como nacional.
  Tânia Lobo afirma que a tradição gramatical ocidental é caracterizada pela adoção da língua literária como referência, e que, sob muitos aspectos, essa referência se aproxima ao conceito hoje amplamente difundido de língua padrão. Dessa forma, a autora  levanta a tese de que, a partir do contexto sócio-político do século XIX, a aspiração à construção de uma língua literária nacional poderia ter evoluído para o desejo de existência de um idioma nacional. Especialmente porque a geração romântica contrapunha-se as chamados puristas, haja vista que esta geração estava fundamentada nas concepções evolucionistas  da lingüística da época, aspirando, dessa forma, a chamada língua brasileira.
  A pesquisadora inicialmente assenta o século XIX, mais necessariamente, o Romantismo como marco na discussão acerca da concepção de língua no Brasil, posteriormente estabelece como novo marco dessa discussão outra escola literária: O Modernismo. Mas antes disso, afirma que o período de transição entre essas duas escolas literárias caracterizou-se, em termos linguísticos, por uma atitude conservadora e até mesmo purista por parte dos seus escritores e intelectuais mais representativos; contra tal atitude os primeiros modernistas reagiram violentamente. Os escritores modernistas  serão os que de fato buscarão na realidade linguística brasileira as formas que constituirão a sua expressão.
  Tânia Lobo faz um panorama  da produção bibliográfica referente à discussão lingüística feita no Brasil, dessa forma, nos apresenta as posições antagônicas dos autores Renato Mendonça e Silvio Elia. O livro intitulado "O português no Brasil" (1936), de Renato Mendonça, defende a validade da tese da existência da língua brasileira, para a construção de sua argumentação, o autor utilizou à geografia linguística. Em contrapartida, Silvio Elia, em seu livro "O problema da língua brasileira" (1940), rejeita a ideia de concepção evolucionista da língua brasileira - que consiste na ideia de que as línguas, enquanto produtos naturais, evoluiriam por si mesmas -; em contrapartida, defende, então, a idéia de que as línguas são produtos culturais, bem como a unidade linguística entre Brasil e Portugal. Tânia Lobo critica essa perspectiva linguística unitária Brasil-Portugal, mas, considera a concepção de língua como um produto cultural, um avanço em relação às ideias que nortearam o pensamento dos neogramáticos.
  Segundo a autora, Serafim da Silva Neto em seu livro intitulado  "Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil" (1950), redimensionou o problema da língua portuguesa, sobretudo por ter como opinião que a língua que se fala no Brasil é a portuguesa, e, que as suas principais características são a unidade e o conservadorismo. A autora ainda afirma que o ano de 1950 marca uma uma fase caracterizada pelo antagonismo entre as correntes tradicionalista e nacionalista,  embora neste período tenha ocorrido toda uma discussão acerca da unidade e do conservadorismo da língua falada no Brasil, solidificou-se, contudo, a posição, ainda hoje hegemônica, da sua definição como portuguesa.
  Tânia Lobo destaca alguns aspectos com o intuito de se analisar a pertinência da tese hegemônica: O primeiro aspecto diz respeito ao estágio de desenvolvimento da linguística no Brasil em meados do século XX; o segundo, aos elementos adotados pelo autor para a construção da sua análise e, o último, está no plano da subjetividade, que consiste na própria visão de mundo do autor – Serafim da Silva Neto.
  O primeiro aspecto - estágio do desenvolvimento da linguística no Brasil - era marcado pelos estudos filológicos, que seguia a linha da tradicional filologia portuguesa da escola de Leite de Vasconcellos, à qual Serafim da Silva Neto também se filiava. A autora ressalta que neste período, a dialectologia (brasileira) ainda não se constituía como uma disciplina que emprega, de forma sistemática, uma metodologia científica própria, pois isso só acontecerá em 1963 com o Atlas prévio dos falares baianos.  Ressalta também, que o estruturalismo só veio a ser difundido no Brasil a partir da década de 60, com a introdução da disciplina de Linguística nos currículos dos cursos de Letras.
  Quanto ao segundo aspecto, a autora critica novamente o filólogo Serafim da Silva Neto, afirmando que além de não fundamentar as suas conclusões em uma base de verificação empírica sistemática, também não dispõe em sua análise os elementos de uma teoria geral do sistema linguístico.
  E por fim, discute o terceiro aspecto – a visão de mundo de Serafim da Silva Neto - que está subordinada aos condicionamentos sócio-culturais e ideológicos, refletindo, assim, a concepção conservadora da língua falada no Brasil defendida por este. Tânia Lobo salienta que a base do pensamento de Serafim da Silva Neto consiste na convicção da superioridade étnica e cultural dos colonizadores brancos portugueses em sobreposição aos índios e negros; o qu evidencia, dessa forma, a idéia de superioridade da língua portuguesa numa escala hierárquica de culturas.
  Tânia Lobo, no decorrer do seu texto, aprofunda sua crítica ao pensamento de Serafim da Silva Neto, que segundo a mesma,  este pensamento, marcado por contradições, se apresenta como uma tese de natureza ideológica: pois graças à “superioridade” da língua do colonizador, que se justifica a imunização desta, diante das outras línguas que manteve contato, mantendo-se, dessa forma, conservadora e unitária.
   Posteriormente, a autora inicia uma discussão com relação ao autor Celso Cunha, pertencente à mesma geração de Serafim da Silva Neto, no intuito de comprovar que o desenvolvimento dos estudos dialetológicos no Brasil provou o contrário da tese de 1950. O autor Celso Cunha estuda a língua enquanto fenômeno histórico, debruçando-se sobre a tese da unidade e do conservadorismo do português brasileiro. Lobo afirma que embora, ao longo da obra de Celso Cunha, essa problemática seja constantemente referida, em um artigo de 1986, intitulado "Conservação e inovação no português do Brasil", o autor analisa especificamente a tese de 1950, sobretudo a parte relativa ao suposto caráter conservador do português do Brasil; as suas conclusões, no entanto, divergem das de Serafim da Silva Neto, pois sobre o problema da unidade, afirma que este é um mito, e que está sendo progressivamente desmentido pelos Atlas linguísticos.
  A autora afirma que, embora tenham ocorrido avanços no âmbito dos estudos dialetológicos, o mito da unidade da língua não deixou de existir. Para elucidar esta afirmação, Tânia Lobo cita o posicionamento de autores mais contemporâneos que suscitam essa discussão:




“(...) Nesse sentido, não se pode deixar de referir a posição de Sílvio Elia, que, em 1979, em um livro intitulado A unidade lingüística do Brasil: condicionamentos geoeconômicos ainda se regozijava diante da constatação da “realidade esplêndida de uma unidade lingüística, quer ao nível culto quer ao popular” (1979:09). A posição de Sílvio Elia, assim como a de Paulo A. Froehlich, que sustenta uma opinião exatamente contrária, são os dois pólos de que parte Nélson Rossi para analisar a questão em A realidade lingüística brasileira: o mito da unidade e sua manipulação. Advertindo sobre a “temeridade” de aceitar falar sobre o tema, na sua opinião, um “objeto mal, assistemática e fragmentariamente conhecido” (1980:35), Rossi não compartilha em absoluto – como o título do seu artigo já anuncia – da posição de Sílvio Elia. E não o faz, justificando que, tanto no plano teórico ou lingüístico-formal stricto sensu, como no plano histórico-social, “dadas as características indiscutivelmente pluriculturais tanto do nosso passado quanto do nosso presente” (1980:40), a unidade pressupõe a diversidade.”


  Chegando a contemporaneidade, Tânia Lobo elenca alguns linguistas  que trabalham atualmente com a linguística histórica, especialmente, os que elegem como temática a história da língua portuguesa: Rosa Virgínia Mattos e Silva, Fernando Tarallo, Carlos Alberto Faraco e Marco Antônio de Oliveira. Dentre os trabalhos dos linguistas brasileiros contemporâneos, que contextualizam a língua na sua história, destaca-se a posição de Fernando Tarallo,  por ter recentemente retomado a tese oitocentista da existência de uma língua brasileira distinta da portuguesa e, por seguir uma vertente ainda pouco explorada em investigações de natureza diacrônica, haja vista que o seu trabalho situa-se no âmbito da sintaxe e tem procurado aproximar modelos teóricos aparentemente inconciliáveis: a sociolingüística e a gramática gerativa.
  Tânia Lobo afirma que não poderia deixar de mencionar as investigações feitas por Tarallo na área da chamada Crioulística. Ratifica também (p.15), que Tarallo, sem propriamente confirmar ou negar a hipótese de que o português americano seja resultado de uma língua pidgin falada pelos escravos africanos trazidos para o Brasil, retoma, de certa forma, um tipo de abordagem, que, por razões de natureza ideológica ou mesmo teórica, foi durante largo tempo desprezado no Brasil.
  Tânia Lobo finaliza seu texto (p.15) afirmando que a linguística histórica esteve exilada do conjunto das atenções dos linguistas brasileiros, e que esta situação está mudando, pois, atualmente há uma recuperação do interesse por esse tipo de investigação. Esse interesse pela linguística histórica desencadeia um tipo de preocupação que parece estar ligada à própria história das línguas transplantadas, a preocupação concernente à sua mudança, ou não, para outros sistemas linguísticos.

Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil de Serafim da Silva Neto




SILVA NETO, Serafim da. Introdução ao estudo da língua portuguesa  no Brasil. Rio de Janeiro: Presença/ INL, 1986. 237 p.

  Serafim da Silva Neto, nascido no Rio de Janeiro, bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais. Foi fundador da Universidade Católica do Rio de Janeiro (onde ocupou a cadeira de Filologia Românica), e catedrático de Filologia Românica na UFRJ e na Universidade de Lisboa.
Em seu texto intitulado “Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil” afirma que este foi elaborado com a intenção de apoiar-se na história do Brasil, na formação e crescimento da sociedade brasileira, considerando, dessa forma, a língua como expressão da sociedade, inseparável da história e da civilização. A perspectiva de análise adotada pelo autor consiste, segundo ele, na Etnografia brasileira.
  O autor critica a posição dos filólogos ao se ocuparem somente com peculiaridades regionais e comparações entre as pronúncias lusitana e brasileira; também diferencia os dois ramos dos estudos brasileiros: a história externa, de cunho etnográfico-social, e a história interna, que é propriamente a dialectologia, de cunho filológico-linguístico.
 Serafim da Silva Neto ressalta a questão da complexidade do caso linguístico brasileiro, em vista das particularidades de sua formação étnico-social, caracterizada pelo cruzamento entre brancos, negros e índios. Embora haja essa complexidade, a proposta desse texto consiste na tentativa de se acompanhar a evolução histórico-social do Brasil, traçando, a partir daí, a história da língua portuguesa nas terras de Santa Cruz, especialmente, a sua vitória sobre línguas exóticas e sua progressiva implantação no uso de grandes massas aloglotas.
  Ainda na introdução do livro, o autor resume os resultados obtidos na pesquisa feita para a elaboração deste:

  1)    O português do Brasil não é um todo, um bloco uniforme. É preciso distinguir-lhe os vários matizes, de acordo com as ocasiões, as regiões e as classes sociais. Assim, temos: 1) uso literário, culto; 2) uso corrente (familiar, popular, gíria); 3) uso regional.
  2)    Os colonizadores vinham de todas as partes de Portugal, de modo que, em contato de interação, se fundiram num denominador comum, de notável unidade.
 3)    Acompanhando o destino dos homens, o português primeiro se estabeleceu no litoral. Ai se constituiu nos dois primeiros séculos de colonização, um falar de marcante unidade, uma koiné, em suma. E foi essa koiné, falada na costa, que invadiu o interior com as bandeiras e as estradas.
  Daí evidentemente, as raízes das características do português brasileiro: a unidade e o conservadorismo.  (Esse pensamento de Serafim da Silva Neto é muito criticado por autores com Tânia Lobo, Dante Lucchesi, Rosa Virgínia, dentre outros.)
 4)    È indispensável distinguir, desde os tempos, mais antigos, os estratos sociais da língua portuguesa usada no Brasil. Por isso estabelecemos que os portugueses da Europa, e seus filhos falariam um português de notável unidade, enquanto os aborígines, os negros e os mestiços se estendiam num crioulo ou semicrioulo. À proporção que se ia firmando a civilização, o português, graças ao seu prestígio de língua dos colonizadores e de língua literária, foi-se irradiando.

  No capítulo I – “A língua Portuguesa no Brasil” Serafim da Silva Neto critica a noção de língua enquanto organismo ( Noção de Schleider que defendia que as “línguas  são organismos sociais, independentes da vontade do homem, que nascem, crescem, evoluem, e depois envelhecem e morrem de acordo com leis determinadas; são lhes próprios uma série de fenômenos aos quais nos acostumamos chamar vida”), pois ele defende a idéia que esta é um produto social, portanto,  não poderia existir de forma independente da vontade do homem. Posto isso, ele argumenta que o português do Brasil não é algo independente da vontade dos que falam, e acredita que a discussão acerca da língua brasileira ou dialeto brasileiro reside no erro de se encarar o nosso português como um bloco, uma massa uniforme. Contrário a essa opinião, afirma que há pelo menos três tipos de linguagem: a) linguagem corrente falada (linguagem correta praticada entre pessoas escolarizadas de classe média); b) linguagem popular (linguagem de pessoas humildes das classes modestas da sociedade, caracterizadas pelo analfabetismo); c) língua escrita (onde se hão de se distinguir a língua escrita desativada e a língua escrita cuidada); e d) língua dialetal (língua comum que dispõe de menos prestígio social e uso mais restrito, por isso parece regional e rústica).
Segundo o autor, as línguas portuguesas faladas no Brasil e em Portugal se diferem, porque a língua corrente varia de acordo não só com lugares, como também com as pessoas, as épocas, e até mesmo as circunstâncias. È devido a isso que a língua escrita se estabelece como mantenedora da unidade, refletindo assim, a civilização, e, portanto deve ser exaltada como superior meio de expressão.
Para Serafim da Silva Neto não há diferença entre o português europeu e o americano, pois ambos possuem uma mesma estrutura linguística, como por exemplo, as palavras fundamentais – nomes de parte do corpo, de parentesco, os numerais, os verbos que indicam ações essenciais à vida, as partículas –, bem como as flexões (morfemas de número, de gênero, de grau), as desinências pessoais e a estrutura da frase. Ele conclui que o material linguístico é tão brasileiro quanto português, pois nele expressam-se todos os seres, de todas as educações, é a partir dele que se elaboram as obras escritas – desde a prosa artística até os manuais técnicos.
   Posteriormente o autor faz um paralelo entre a língua escrita e a falada; segundo ele, a escrita, ao contrário da falada, está acima de todas as variedades sociais e dialetais graças ao seu caráter conservador e tradicional e por ser utilizada pelas pessoas mais “finas” e mais “cultas” da sociedade luso-brasileira.
   Quanto à questão das variedades dialetais do Continente como um todo, Serafim da Silva Neto afirma que importa reconhecer que não são muito pronunciadas, atendendo, dessa forma, a idéia de Leite de Vasconcelos que diz: “No que toca às diferenciações dialetais do português, devo dizer que elas não são muito grandes, excluindo os dialetos crioulos. Um habitante de Barroso entende, no geral, um ilhéu ou um brasileiro, mas nenhum deles entenderá um indígena de Cabo Verde”.(p.29)
  No capítulo II – “Diferenciação e unificação do português no Brasil”, Serafim da Silva Neto ingressa na história da colonização brasileira para enfatizar a questão do enfrentamento da cultura portuguesa versus a dos habitantes da terra, que ocasionou os fenômenos de aculturação. Ainda segundo o autor, inicialmente, os índios tinham duas vantagens substanciais: eram superiores em número e seu modo de vida estava ajustado ao habitat. Devido a isso, os primeiros desbravadores se viram na contingência de adaptar-se à vida indígena, dentro deste processo de adaptação se fez necessário aprender a língua comumente falada na costa, que chegou até nós com o nome de “geral”. Entretanto, mais tarde, os missionários tiveram um papel fundamental para alastrar a sua língua “superior” entre os meninos das tabas, embora se tenha registrado, que estes não conseguiam pronunciar nenhuma palavra com f, l ou r.
   Em seguida, o autor discute a questão da inserção dos negros da África no cenário linguístico brasileiro, acrescendo, dessa forma, o contato entre culturas. Com o tráfico negreiro, que trazia a mão-de-obra escrava para a lavoura açucareira fez com que os africanos se instalassem no litoral: Bahia, Sergipe, Rio de Janeiro, São Paulo, Maranhão, Pará e Minas Gerais. No que se refere à questão lingüística, propriamente dita, Serafim da Silva Neto levanta a hipótese de que os negros, por serem originários de possessões lusitanas, certamente teriam um dialeto crioulo-português.  No tocante à influência do negro na língua do Brasil, há de ter-se em conta a maior ou menor distância entre o senhor e o escravo. O autor também afirma que era essencial o contato do negro com os brancos para haver um processo de “desafricanização” deste.
   Diante desse contexto de contato linguístico entre o europeu, o negro e o aborígine, o vocabulário dos povoadores portugueses enriquecia-se ao adotar numerosos vocábulos designativos de coisas e de fatos americanos, mas, por outro lado, restringia-se por força, porque no Brasil não se encontravam dezenas de coisas ou fatos do Reino.
   O autor faz um balanço com relação a esse possível enriquecimento da linguagem da língua portuguesa corrente no Brasil, levando em consideração o panorama social da Colônia. Concluindo, então, que o português, falado, sobretudo na costa, principalmente pelos brancos e seus descendentes, com o passar do tempo, naturalmente apresentou traços que o estremariam com o português lusitano.
   Serafim da Silva Neto define o crioulo ou semicrioulo (p.48) como uma adaptação do português no uso dos mestiços, aborígines e negros, e, que se caracterizava pela extrema simplificação de formas, e, talvez nos primeiros tempos, algum traço linguístico devido a fenômenos de interferência de outra língua. Porém, o grupo superior ou dominante do Brasil estava associado ao uso do português e à pele clara, enquanto o socialmente inferior estava ligado à pele escura e justamente ao uso do crioulo ou do tupi.

                      “Todavia, a vitória do português não se deveu a imposição violenta da classe dominante. Ela explica-se pelo seu prestígio superior que forçava ao uso da língua que exprimia a melhor forma de civilização.
109 – O português era a língua da administração: só em português era possível entender-se oficialmente com os agentes do Estado. Para aspirar aos cargos públicos (aliás sempre tão apetecidos) era preciso o conhecimento do português.
Contratos, transmissões, testamentos – enfim, todos os documentos jurídicos – eram escritos na língua dos colonizadores.” (p.61)

   Serafim da Silva Neto afirma que o português era a língua da escola, o falar polido e disciplinado em gramáticas, enquanto a língua geral carecia deste prestígio, pois era um linguajar aprendido de outiva. O tupi nunca se elevou à categoria de língua escrita literária, haja vista que este estava associado à classe mais humilde e rude da sociedade colonial.
  Um acontecimento que o autor considera decisivo para a vitória da língua portuguesa e da cultura européia é a chegada do Príncipe Regente (1807), que possibilita ao Brasil entrar no rol das nações. Principalmente pelo fato da chegada de quinze mil pessoas e o séqüito da família real, que trouxeram consigo para o Rio de Janeiro, os hábitos e os esplendores da vida lisboeta: ‘Tudo se foi re-europeizando: a construção das casas, o modo de vestir e, até, de encarar a vida. Melhora-se a topografia, a higiene, o policiamento e a iluminação das cidades.” (p.63)
   Para ratificar a idéia de unificação do português no Brasil, Serafim da Silva Neto faz uma espécie de retrospecto. Ele parte do processo de colonização, na qual os povoadores portugueses formavam uma pequena elite e misturavam-se fartamente com os negros, índios e mestiços de toda espécie. Somente com o passar do tempo que esta élite foi alargada, devido à ascensão do grupo de mazombos e mestiços na escala social, principalmente com a chegada da corte portuguesa.

                    “(...) Os indivíduos que pouco a pouco iam renovando e acrescentando a pequena élite colonial tinham os olhos voltados para ela, no absorvente desejo de assimilar-se, de purificar-se de tudo que neles ainda lembrasse situação social e inferior.
Os modelos supremos eram a Corte de Lisboa e a Universidade de Coimbra.”(p.61)

   Nesse contexto, os puristas e os gramáticos passaram a condenar tudo aquilo que não fosse rigorosamente cortado pelos figurinos da metrópole, não aceitavam as alterações que a língua assumira na América. Segundo o autor, essa tirania dos puristas, provocou, depois, já no Brasil independente, o exagero oposto de se “fabricar” uma língua brasileira. Contudo, a difusão das escolas e a difusão da instrução foram aos poucos anulando a barafunda linguística e unificando a linguagem brasileira.
   No capítulo III – “As três fases da história da língua portuguesa no Brasil” - o autor diz que estas três fases se processam no âmbito da história externa, tendo como enfoque a questão da progressiva ascensão social do mestiço com as conseqüentes alterações na linguagem. Serafim da Silva Neto afirma que procura ver como, no decurso de quatro séculos, umas linguagens reagiram sobre outras, no sentido da preponderância daquela que representava o mais alto e perfeito meio de civilização: o português.
    Dessa forma, ele vai discutindo a questão da língua geral, o crioulo de negros e índios, o português, e outros episódicos idiomas africanos. O autor acompanha as chamadas lutas recíprocas dentro de contextos históricos decisivos para a sobreposição do português unitário.
   A primeira fase que o autor considera determinante decorre dede o início da colonização (1532) até a expulsão dos holandeses (1654). A segunda se inicia a partir dessa data, que marcando em definitivo o caráter português do Brasil, propiciou o aumento da emigração do Reino. A terceira começa em 1808, com a chegada do Príncipe Regente e da Corte - acontecimento que transformava o Rio de Janeiro em capital do mundo português.
  A primeira fase é caracterizada pelo número escasso do elemento branco em contraposição ao número excessivo de índios. É a fase do desbravamento e do primeiro contato inter-racial, surgindo, então, o mameluco. Essa fase se destaca lingüisticamente pela necessidade de uma língua geral para todos: aos mercadores nas suas viagens, aos aventureiros em suas expedições sertão adentro, aos habitantes das vilas em suas relações com o gentio; embora se falasse português também.

                    “Com a implantação dos primeiros núcleos de brancos, na orla marítima, é certo que para eles começaram a afluir alguns gentios mais acessíveis à assimilação. Em contato com os europeus iam perdendo numerosos traços de sua cultura e adotando os da cultura dos colonizadores. Alguns mesmo, criados e educados, desde pequenos, pelos jesuítas, eram logo incorporados à civilização.” (p.70)

  Posteriormente, na segunda fase (de 1654 a 1808) o elemento indígena, incompatível com a civilização européia, vai rareando e desaparecendo, ao mesmo passo que cresce a influência dos brancos e dos negros. Com relação aos negros, já na década de 1590-1600, no litoral da Bahia e Pernambuco, foi-se afirmando a substituição do escravo índio pelo africano; aos 100.000 importados no século XVI correspondem 600.000 no século XVII e 1.300.000 na centúria seguinte.
  Segundo Serafim da Silva Neto, a fala dos senhores, o idioma oficial e literário irradiava-se, tomando no Brasil alguns aspectos próprios que, sem fugir à estrutura linguística comum que constitui o mesmo domínio linguístico, o distinguem do português europeu. Contudo, produzia-se uma nivelação linguística, provocada pela mistura de falares metropolitanos. A ação dos missionários – quer nas escolas, quer nas prédicas diárias – muito contribuiu para a difusão do português.
  Esse português foi influenciado pelo povoamento do interior que se fez com as massas do litoral. Eram compostas com as massas, em percentagem diversas, de índios, negros, mestiços e brancos decaídos – que se entendiam num falar crioulo, linguajar de emergência, em que o branco figurava como professor involuntário e desinteressado.
O autor faz alusão a uma ilha cultural existente no Brasil-colônia – a chamada “república” dos Palmares – uma comunidade formada por negros que abandonaram os engenhos por força de guerra. Essa comunidade tinha como singularidade o falar, um dialeto africano do tipo bantu, que decerto influenciou o vocabulário do português brasileiro.
  Conforme Serafim da Silva Neto, na terceira fase (de 1808 ...) com a chegada do Príncipe Regente houve mudanças profundas na vida colonial, haja vista que as élites rurais, as grandes famílias do campo, emigraram para as cidades, em busca dos prazeres da vida urbana. Ainda segundo o autor, essa rápida urbanização, não só proporcionou grande incremento da cultura do Rio como provocou uma larga ação social sobre toda a colônia.
  Houve nesse período uma acentuação da oposição entre dos habitantes do litoral e os do interior, acarretando uma distinção entre os falares urbanos e os falares rurais. Destarte, “dos princípios da colonização até 1808, e daí por diante com intensidade gradativamente maior, se notava a dualidade lingüística entre a nata social, viveiro de brancos e mestiços que ascenderam, e a plebe, descendentes de índios, negros e mestiços da colônia.” (p.80). Nesse universo da plebe, maior é o grau do linguajar crioulizante.
   Para finalizar o terceiro capítulo, é discutida a questão da literatura nacional enquanto instrumento representativo de uma língua padrão; afirmando, então, que o português culto do Brasil não deve ser, de nenhum modo, uma imitação servil do português culto dos antigos (clássicos) ou do português castigado dos grandes escritores do imenso Portugal. Especialmente porque com Alencar, Machado de Assis e Euclides da Cunha já teríamos uma apreciável tradição de português culto. Dessa forma ele conclui:

                     “Mas, por outro lado, não nos queiram impor, como padrão e modelo, o falar rústico e regional, cuja origem há de buscar-se no tosco linguajar de aborígines e de negros recém-importados. Esse tipo de falar pode servir de base a uma interessante literatura regional (v. Vatulo da Paixão Cearense e Leonardo Mota) mas nunca servirá de expressão e matéria- prima à verdadeira literatura nacional.”(p.90)

   No capítulo IV – Contato e interação lingüística no Brasil colonial – Serafim da Silva Neto afirma que nos primeiros estudos sobre o português no Brasil, escritos em geral por amadores, exageravam e sem nenhum método ou crítica, a influência indígena (teses indiófilas), e, mais tarde passou-se a fazer o mesmo com a influência dos negros (teses negrófilas).
   O autor critica este pensamento, defendendo que a fala do índio ou do negro não era o ideal dos mamelucos e mulatos, muito pelo contrário, o prestígio do sangue branco, pairava acima de tudo. Pois, do branco prevaleceu, a religião, os hábitos, a língua. Ainda argumenta  que, no tocante à etnografia algo nos ficou do negro e do índio: mas a língua, dentre todas as instituições sociais é a que mais fortemente se impõe aos indivíduos, e devido não sofreu influências decisivas, senão apenas incorporações ao vocabulário e à fraseologia, bem como um ou outro fato restrito a falares regionais. Para sustentar a sua argumentação Serafim da Silva Neto retoma a questão da língua crioula:

                     “No português brasileiro não há, positivamente, influência de línguas africanas ou ameríndias. O que há é cicatrizes da tosca aprendizagem que da língua portuguesa, por causa de sua mísera condição social, fizeram os negros e os índios.
Aqui é necessário conceituar o que seja dialeto crioulo. Esses falares representam uma língua européia toscamente aprendida por povos de cultura e situação social inferior, de aprender rapidamente, a língua do senhor, aprendê-la de outiva e não pelo regular ensino da escola. As gerações seguintes adquirem apenas essa linguagem de emergência, que assim se consegue firmar.” (p.97)

   Ainda segundo o autor, no longo do contato linguístico entre o povo de cultura superior e os povos mais atrasados – índios e negros – não houve apenas ação corruptora na linguagem do branco. O autor salienta que houve vários graus de influências mútuas: se houve brancos e luso-descendentes que, decaídos, se incorporaram às camadas ínfimas da população, também mamelucos, mulatos e mestiços de toda espécie poliram a linguagem rústica no cotidiano contato com a família dos senhores.
    O autor ratifica que, fica patente o fato de que, nas cidades, a escolas propiciaram a aquisição de um equipamento intelectual mais elevado. Dessa maneira tornou-se possível para mestiços de toda a ordem ascender na escala social, equiparando-se aos brancos nos conhecimentos técnicos, científicos ou literários.
   Serafim da Silva Neto afirma que no último quartel do século XIX, se começou a estudar o português do Brasil, os investigadores atribuíam enorme importância à influência tupi (p.105), ou seja, a língua com que o português entrou em contato desde o início da colonização. As razões de tal atitude eram as seguintes:

1)    sentimento patriótico, que procurava ressaltar o que julgavam as raízes da nacionalidade;
2)    insuficiente conhecimento científico do tupi;
3)    ignorância das reais conseqüências dos contatos de línguas, que então se equiparavam, erradamente, à mestiçagem física.

   Para questionar esta concepção, o autor argumenta que o que chamamos português do Brasil não é uma unidade, mas um conceito coletivo, que pode se desdobrar da seguinte forma: 1) língua comum, matizada com vocabulário aqui e além divergente e pronúncia nossa; 2) língua familiar; 3) língua vulgar das cidades, tipo a que podemos aproximar as gírias; 4) língua regional. Então, conclui que em relação aos três primeiros tipos não há nenhuma influência de línguas ameríndias; e, que com relação ao negro, pode-se falar em influência urbana e rural (que se apresenta de forma dicotômica (p.124), mas no caso dos índios, que cedo saíram da vida das cidades, só se pode falar em influência rural.
   O autor salienta que o contato e a repetida interação entre o português de brancos, índios, negros e mestiços não implica na aceitação de traços fonéticos, morfológicos ou sintáticos de línguas índias ou africanas. Os fenômenos de aculturação no campo linguístico, geralmente conhecidos com os nomes de ação do substrato, do superestrato ou do adstrato, são mais sutis e complexos do que o simples aprendizado imperfeito e tosco de uma língua imposta; e que para haver influência se faz necessário um período mais ou menos longo de bilinguismo, para poder, então, ocorrer uma interferência.
   No capítulo V – Panorama atual da língua portuguesa no Brasil – Serafim da Silva Neto retoma o período da colonização, mais especificamente o que concerne à difusão do português falado no Brasil a partir da penetração dos núcleos humanos constituídos no litoral. Para tanto, ele adota a idéia dos focos de irradiação da cultura e civilizamento, exposta por João Ribeiro,  baseiam-se em cinco células fundamentais que, por multiplicação formaram todo o tecido do Brasil: I – a do Maranhão ao Pará; II – a de Pernambuco; III – a da Bahia; IV – a do Rio de Janeiro e V- a de São Paulo.
   A partir do exposto, o autor revela que existe uma grande dificuldade na divisão do Brasil em áreas linguísticas, especialmente pelo fato de haver uma grande deficiência de estudos preliminares acerca da extensão das linhas isoglossas. Contudo, ele acredita que poderia dar certo o quadro esboçado por Antenor Nascentes, que divide os dialetos brasileiros em dois subdialetos, o do Sul e o do Norte, cada um deles com diversas variantes.
  De forma resumida ele conclui que na língua portuguesa, falada em Portugal e no Brasil, há diferença de lugar para lugar e de classe social, e, que, consequentemente, temos os falares do português em Portugal e os falares do português no Brasil. Ainda afirma que, o atual estado linguístico brasileiro decorre dos estados anteriores, utilizando como exemplo, o antigo crioulo que hoje representa a linguagem circunscrita aos campos do interior, utilizada pelos tabaréus, matutos e caipiras, continuadores da antiga plebe rural.

                       “Está nesse frisante o fato, que representa vestígio do crioulo colonial, do desaparecimento da flexão numérica por meio de –s: os livro, as mesa.
O mesmo se dirá da extrema simplificação das formas verbais, outra cicatriz do primitivo aprendizado tosco da língua portuguesa. De modo geral, em todas as regiões, só se usam a 1a  e a 3a pessoas; o plural da 1a pessoa perde o –s: bamo, fazemo, fomo e, nos proparoxítonos, perde a terminação –mos: nós, ia, fosse, andava. No pretérito perfeito o á tônico passa a e: andemo, caminhemo. Em toda a parte o futuro exprime-se com o presente do indicativo: eu vô, nois fazemo.” (p.135)

   O autor ratifica que essa linguagem, sobretudo nos últimos cinquenta anos, tem sofrido influências planificadoras que se irradiam das cidades e se manifestam através dos jornais, do rádio e do ensino escolar. Entretanto, alega que na urbs, porém, não se devem considerar apenas a classe média e a classe mais elevada, já que se é preciso levar em consideração a classe mais baixa, constituída pela ralé de brancos e por descendentes de antigos escravos, que não puderam ascender socialmente.
   Nas classes urbanas mais modestas ocorrem fatos comuns aos falares rurais, como a sintaxe, por exemplo, em que ocorre no uso do ter, ao contrário da culta que utiliza o haver. Bem como o emprego de preposições em com verbos de movimento: vou na cidade, cheguei na rua; e o uso de mim como sujeito nas orações infinitas: pra mim comer.
No capítulo VI – A língua comum no seu aspecto brasileiro (português do Brasil) e as repercussões na língua literária. Caráter conservador da pronúncia brasileira. – Serafim da Silva Neto afasta-se da discussão da língua transmitida por via oral e ingressa na perspectiva da inserção da língua comum, mais especificamente a literária, no contexto brasileiro.
   De acordo com o autor, a língua comum é o vínculo que torna possível a compreensão entre os falantes, pois é o instrumento principal de comunicação social e por isso, sobrepõe-se às variações locais e profissionais. A língua literária é a sua utilização estética. A partir dessas elucubrações o autor argumenta que a língua portuguesa escrita sobrepõe-se à linguagem grosseira dos Índios e dos Negros, bem como, ao falar rústico e rude dos colonizadores oriundos da província ou das baixas classes, como um meio superior de manifestação e de comunicação.
  Serafim da Silva Neto afirma que as escolas fundadas desde o início da colonização pela Companhia de Jesus asseguraram que o português dos colonos da alta camada social mantivesse um caráter muito conservador; e, que mesmo depois da Independência (1822) a fidelidade à pureza da língua se manteve.
  O autor admite que essa rigidez gramatical mantida no Brasil fez com que a língua portuguesa aqui produzida se distanciasse um pouco da língua de Portugal. Dessa forma, o autor enumera alguns fatores para esse distanciamento: 1- o vocabulário normal brasileiro em muitos casos é conservador: mantém a palavra antiga, substituída em Portugal por uma inovação moderna; 2- em outros casos a palavra normal no Brasil é regional em Portugal; 3- ainda em outros casos a palavra normal no Brasil é empréstimo das línguas ameríndias ou africanas; 4- as diferenças provenientes de novas criações que se cunham independentemente de um lado e do outro do Atlântico: auto-carro (Lisboa), ônibus (Rio).
  Serafim da Silva Neto também apresenta as mudanças ocorridas no âmbito da pronúncia, que segundo ele, aconteceram devido ao fato de Lisboa, depois do século XIX, ter se tornado foco inovador; enquanto que no Brasil, a pronúncia repousa sobre um sistema fonético muito antigo e de aspecto urbano. Vale ressaltar que o autor centra sua análise na pronúncia carioca, estendendo-a como parâmetro para todo o Brasil:

                      “É verdade que os traços aqui referidos como da pronúncia culta carioca se estendem a todo o País, com exceção de um ou outro: por exemplo – e e –o finais pronunciados como –i e –u ( e suas conseqüência palatizadoras), e o –s final chiante. Mas o que caracteriza a pronúncia culta carioca é a ausência de traços regionais e rústicos: isto lhe dá aquela característica que o lingüista dinamarquês Otto Jespersen considerava definidora de uma pronúncia padrão: a de ser a que menos revela a proveniência do falante.” (p.164)

   O autor justifica a superioridade da pronúncia padrão carioca com a urbanização do Rio de Janeiro em princípios do século XIX, e o seu reaportuguesamento, graças a uma intensa imigração do Reino. A partir do parâmetro da pronúncia do Rio de Janeiro, Serafim da Silva Neto observa e cita alguns exemplos de pronúncias contrastantes, marcadas por traços regionais. Esse contraste, hipoteticamente, pode acontecer devido a dois fatores: a permanência de pronúncias portuguesas antigas do século XVI (da língua padrão ou de falares regionais) ou a persistência de antigas pronúncias aloglotas.
Após o paralelo estabelecido, o autor interpreta que a linguagem regional brasileira se caracteriza pela unidade, proveniente de um nivelamento provocado pela mistura dialetal, e em contrapartida, pelas particularidades arcaizantes. Serafim da Silva Neto classifica algumas dessas particularidades arcaicas dentro de vários matizes da linguagem brasileira:

                          “Ao conjunto de nossa fala podemos conferir:
a) a manutenção de e e o pretônicos; b) manutenção do ditongo ei e, em parte, de ei, pronunciado ê: primero, etc; c) manutenção de e antes de palatal; mannutenção de algumas formas: faceiro, perguntar, severo, e outras; manutenção de alguns torneios sintáticos: vi ele; fui na casa dele; chamar de; andava penando (por andava a penar).
 À dialetologia brasileira pertencem:
a) certos fatos pertinentes às vogais nasais; b) o fonema tchê; c) certos fatos referentes à nasalação (lua, quisérõ, etc.); d) certos fatos referentes ao –s; e) as demais particularidades sintáticas e vocabulares apontadas nessa nota.
Ao português brasileiro, podemos portanto, atribuir características opostas: particularidades arcaicas e novos desenvolvimentos. Estes últimos operam-se rigorosamente no sentido da deriva.” (p.183)

   O autor conclui que a situação dos falares portugueses do Brasil se processa da seguinte forma: ao redor das cidades existem áreas por ela influenciadas, porém, essas ondas linguísticas irradiadas das urbes, vão-se amortecendo à proporção que caminham para a periferia; confirmando, dessa maneira, o princípio de que as áreas mais isoladas são mais arcaicas. Quanto à questão literária, ele afirma que a linguagem literária brasileira merece capítulo à parte, onde se exponham a sua tradição e evolução.
  No capítulo VII – Do método na pesquisa dos falares brasileiros – Serafim da Silva Neto faz algumas propostas metodológicas para serem desenvolvidas por pesquisadores dos falares modernos no âmbito da dialetologia. No primeiro momento, o autor defende que se deve organizar um questionário que pode ser, depois das primeiras experiências, ampliado. O questionário deve abarcar os seguintes aspectos: I- A Terra – a) A natureza, os fenômenos atmosféricos, os astros, o tempo, etc., b) Flora (plantas, árvores, frutos, etc.); II – Os animais (nomes de diferentes animais e também dos objetos e atividades com eles relacionados); III- O Homem – a) Partes do cormpo, b) Doenças, feridas, qualidades e defeitos físicos e morais, etc., c) Nascimento, casamento, morte, relações sociais; d) Instrumentos agrícolas, preparação das terras e de alguns de seus produtos (o carro de bois, o arado; o fabrico de pão, do vinho, etc.); e) Ofícios, profissões e atividades diversas; f) Alimentação; g) Religião; h) Festas populares, divertimentos, etc.; i) Assuntos diversos.
  Um outro fator considerado importante pelo autor é a seleção do informante, que deve se estabelecer a partir de uma relação de confiança, portanto, se torna aconselhável a permanência do pesquisador por alguns dias na região estudada, possibilitando, assim, o maior número de conversas. Os critérios para a seleção dos informantes seriam:

                                “A boa escolha do informador não é fácil tarefa: há de procurar-se homem ou mulher do povo que satisfaça, tanto quanto possível, as seguintes condições: não ser desdentado; ter nascido e ter vivido sempre na terra; não se envergonhar de sua linguagem; ter memória pronta; ser normalmente inteligente e, de preferência, analfabeto.” (p.195)

    Serafim da Silva Neto defende que a linguagem que deve ser estudada não é a das pessoas mais idosas (que representam um estado linguístico arcaizado), mas a de geração média – pessoas entre cinquenta e sessenta anos, que constituem a parte mais importante da população, pois a finalidade é registrar o estado linguístico atual.
   Mas conforme o autor, não é mais interessante registrar esse estado linguístico de forma isolada, pois se faz necessário também colher os dados relativos à região a qual a comunidade linguística está inserida, como: a I- Ecologia (terra, localização, distância do centro, clima, topografia, etc.); 2 - Gente (população total, distribuição por idades e secos, constituição média da família, número de casas, raças, nacionalidades e mobilidade); 3- Condições higiênicas; 4- Configuração do povoado. II - O passado (circunstâncias da fundação do povoado, mestiçagens sucessivas); III- Economia (coleta, plantação, criação, indústria, comércio, salários, etc.); IV Sociedade e Cultura (dificuldade ou facilidade de entrar em contato, modos de cumprimentar, alimentos e hábitos de comer, vestuário, ritual e cerimônia, folclore, entre outros).
   No capítulo VIII – Duas palavras sobre a língua literária – Serafim da Silva Neto afirma que em todos os tempos da Colônia houve uma pequena élite que estava estreitamente ligada ao espírito metropolitano, e, portanto, forma um núcleo da mais alta importância, haja vista que, significava a manutenção do contato com a língua escrita e literária.
   Essa manutenção da língua escrita e literária se dava graças à organização escolar dos jesuítas e ao permanente contato que se mantinha com a Universidade de Coimbra. Destarte, os escritores brasileiros tinham os olhos voltados para a metrópole, copiando os modelos estéticos de além-mar.
   Com a Independência (1822), os escritores beberam na língua padrão que se fora constituindo no Brasil –“língua que, rigorosamente portuguesa no material, diferia da linguagem lusa no tocante à expressa, isto é, na escolha das opções”(p.211). Ainda de acordo com o autor, a literatura realmente nacional só se inicia com os românticos, pois eles foram os primeiros a trabalhar artisticamente a matéria-prima da língua padrão brasileira.
   Afastando-se dos modelos até então rigorosamente copiados, adotaram mudanças de ordem sintática, morfológica e lexical. Nesse contexto, houve posturas reacionárias de adeptos da servil imitação dos modelos clássicos portugueses, que viam escritores como Alencar e Bernardo Guimarães como autores incorretos, que escreviam mal.
Serafim da Silva Neto postula que, embora os escritores da nossa chamada era nacional (de 1822 em diante), tivessem um sentimento de lusofobia, não almejavam criar uma língua brasileira, pois o que decerto pretenderam, e conseguiram, foi a expressão de um estilo nosso, sustentado pelas particularidades da linguagem brasileira. A partir do exposto ele conclui: Linguagem brasileira, mas língua portuguesa.
   Além disso, o autor argumenta que no caso de José de Alencar, sua “posição” apresenta as seguintes linhas mestras: 1 – reação contra o purismo, ou seja, contra a exagerada submissão aos bons autores do passado; e 2 – a busca de uma expressão brasileira que proporcionaria, em suma, a literatura “brasileira”. Assim nos distinguiríamos dos séculos XVII e XVIII, onde houve apenas, literatura portuguesa do Brasil, ou o grupo brasileiro da literatura portuguesa. Dessa forma, o autor ressalta que em nenhum momento Alencar pretendeu criar uma nova língua.
   Serafim da Silva Neto defende a ideia de que o brasileirismo literário é uma atitude face ao material linguístico, e não se caracteriza pelo anseio de independência linguística, mas realiza o ideal da independência literária: “Enobrecer e honrar o largo tesouro que de Portugal recebemos, não é reproduzir os seus giros sintáticos e modos de dizer, mas sim criar novo meios de expressão, novas formas plásticas, com que a língua portuguesa possa exprimir, do riso à lágrimas, todos os sentimentos humanos” (p.233) 
   Na conclusão de seu livro intitulada de – “A unidade essencial do domínio linguístico português: a unidade na diversidade e a diversidade na unidade” – o autor tenta indicar minuciosamente os fatores que, no Brasil, levaram à unificação e ao aspecto antigo, retomando, dessa forma, questões discutidas ao longo do texto, como a transplantação durante o povoamento, o contato inter-racial que fez surgir uma língua de emergência, o isolamento espacial, dentre outras.
   Serafim da Silva Neto salienta que unidade não significa igualdade, pois no tecido linguístico brasileiro há gradações de cores. Meticuloso estudo de campo comprovaria que o conjunto dos falares brasileiros se coaduna com o princípio da unidade na diversidade e da diversidade na unidade. Pois ele procurou explicar a unidade dos falares regionais, de caráter rural e, na língua escrita essa unidade se justifica pela manutenção dos padrões herdados.
  O autor ainda considera dois fatores decisivos em sua argumentação: 1- o reiterado e constante esforço do poder público que difundia a língua escrita nas suas determinações oficias e fomentava o seu estudo nas escolas; e 2- a vontade e a consciência de falar Português, manifestada pela élite colonial, e de imitar os cânones da metrópole, através da leitura dos bons autores e da obediência ao códigos gramaticais de além-mar.
  Serafim da Silva Neto defende que o domínio linguístico português é um reflexo de outra unidade superorgânica e até supranacional, de uma substância amalgamada pela História, a que é costume chamar Cultura Portuguesa. Cultura, que segundo ele, soube adaptar-se, interligando territórios, criando, assim, uma unidade para além dos espaços, para além do tempo “e até mesmo para além das soberanias, pois o Brasil e o Império são irmãos gêmeos.”