quarta-feira, 30 de junho de 2010

Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil de Serafim da Silva Neto




SILVA NETO, Serafim da. Introdução ao estudo da língua portuguesa  no Brasil. Rio de Janeiro: Presença/ INL, 1986. 237 p.

  Serafim da Silva Neto, nascido no Rio de Janeiro, bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais. Foi fundador da Universidade Católica do Rio de Janeiro (onde ocupou a cadeira de Filologia Românica), e catedrático de Filologia Românica na UFRJ e na Universidade de Lisboa.
Em seu texto intitulado “Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil” afirma que este foi elaborado com a intenção de apoiar-se na história do Brasil, na formação e crescimento da sociedade brasileira, considerando, dessa forma, a língua como expressão da sociedade, inseparável da história e da civilização. A perspectiva de análise adotada pelo autor consiste, segundo ele, na Etnografia brasileira.
  O autor critica a posição dos filólogos ao se ocuparem somente com peculiaridades regionais e comparações entre as pronúncias lusitana e brasileira; também diferencia os dois ramos dos estudos brasileiros: a história externa, de cunho etnográfico-social, e a história interna, que é propriamente a dialectologia, de cunho filológico-linguístico.
 Serafim da Silva Neto ressalta a questão da complexidade do caso linguístico brasileiro, em vista das particularidades de sua formação étnico-social, caracterizada pelo cruzamento entre brancos, negros e índios. Embora haja essa complexidade, a proposta desse texto consiste na tentativa de se acompanhar a evolução histórico-social do Brasil, traçando, a partir daí, a história da língua portuguesa nas terras de Santa Cruz, especialmente, a sua vitória sobre línguas exóticas e sua progressiva implantação no uso de grandes massas aloglotas.
  Ainda na introdução do livro, o autor resume os resultados obtidos na pesquisa feita para a elaboração deste:

  1)    O português do Brasil não é um todo, um bloco uniforme. É preciso distinguir-lhe os vários matizes, de acordo com as ocasiões, as regiões e as classes sociais. Assim, temos: 1) uso literário, culto; 2) uso corrente (familiar, popular, gíria); 3) uso regional.
  2)    Os colonizadores vinham de todas as partes de Portugal, de modo que, em contato de interação, se fundiram num denominador comum, de notável unidade.
 3)    Acompanhando o destino dos homens, o português primeiro se estabeleceu no litoral. Ai se constituiu nos dois primeiros séculos de colonização, um falar de marcante unidade, uma koiné, em suma. E foi essa koiné, falada na costa, que invadiu o interior com as bandeiras e as estradas.
  Daí evidentemente, as raízes das características do português brasileiro: a unidade e o conservadorismo.  (Esse pensamento de Serafim da Silva Neto é muito criticado por autores com Tânia Lobo, Dante Lucchesi, Rosa Virgínia, dentre outros.)
 4)    È indispensável distinguir, desde os tempos, mais antigos, os estratos sociais da língua portuguesa usada no Brasil. Por isso estabelecemos que os portugueses da Europa, e seus filhos falariam um português de notável unidade, enquanto os aborígines, os negros e os mestiços se estendiam num crioulo ou semicrioulo. À proporção que se ia firmando a civilização, o português, graças ao seu prestígio de língua dos colonizadores e de língua literária, foi-se irradiando.

  No capítulo I – “A língua Portuguesa no Brasil” Serafim da Silva Neto critica a noção de língua enquanto organismo ( Noção de Schleider que defendia que as “línguas  são organismos sociais, independentes da vontade do homem, que nascem, crescem, evoluem, e depois envelhecem e morrem de acordo com leis determinadas; são lhes próprios uma série de fenômenos aos quais nos acostumamos chamar vida”), pois ele defende a idéia que esta é um produto social, portanto,  não poderia existir de forma independente da vontade do homem. Posto isso, ele argumenta que o português do Brasil não é algo independente da vontade dos que falam, e acredita que a discussão acerca da língua brasileira ou dialeto brasileiro reside no erro de se encarar o nosso português como um bloco, uma massa uniforme. Contrário a essa opinião, afirma que há pelo menos três tipos de linguagem: a) linguagem corrente falada (linguagem correta praticada entre pessoas escolarizadas de classe média); b) linguagem popular (linguagem de pessoas humildes das classes modestas da sociedade, caracterizadas pelo analfabetismo); c) língua escrita (onde se hão de se distinguir a língua escrita desativada e a língua escrita cuidada); e d) língua dialetal (língua comum que dispõe de menos prestígio social e uso mais restrito, por isso parece regional e rústica).
Segundo o autor, as línguas portuguesas faladas no Brasil e em Portugal se diferem, porque a língua corrente varia de acordo não só com lugares, como também com as pessoas, as épocas, e até mesmo as circunstâncias. È devido a isso que a língua escrita se estabelece como mantenedora da unidade, refletindo assim, a civilização, e, portanto deve ser exaltada como superior meio de expressão.
Para Serafim da Silva Neto não há diferença entre o português europeu e o americano, pois ambos possuem uma mesma estrutura linguística, como por exemplo, as palavras fundamentais – nomes de parte do corpo, de parentesco, os numerais, os verbos que indicam ações essenciais à vida, as partículas –, bem como as flexões (morfemas de número, de gênero, de grau), as desinências pessoais e a estrutura da frase. Ele conclui que o material linguístico é tão brasileiro quanto português, pois nele expressam-se todos os seres, de todas as educações, é a partir dele que se elaboram as obras escritas – desde a prosa artística até os manuais técnicos.
   Posteriormente o autor faz um paralelo entre a língua escrita e a falada; segundo ele, a escrita, ao contrário da falada, está acima de todas as variedades sociais e dialetais graças ao seu caráter conservador e tradicional e por ser utilizada pelas pessoas mais “finas” e mais “cultas” da sociedade luso-brasileira.
   Quanto à questão das variedades dialetais do Continente como um todo, Serafim da Silva Neto afirma que importa reconhecer que não são muito pronunciadas, atendendo, dessa forma, a idéia de Leite de Vasconcelos que diz: “No que toca às diferenciações dialetais do português, devo dizer que elas não são muito grandes, excluindo os dialetos crioulos. Um habitante de Barroso entende, no geral, um ilhéu ou um brasileiro, mas nenhum deles entenderá um indígena de Cabo Verde”.(p.29)
  No capítulo II – “Diferenciação e unificação do português no Brasil”, Serafim da Silva Neto ingressa na história da colonização brasileira para enfatizar a questão do enfrentamento da cultura portuguesa versus a dos habitantes da terra, que ocasionou os fenômenos de aculturação. Ainda segundo o autor, inicialmente, os índios tinham duas vantagens substanciais: eram superiores em número e seu modo de vida estava ajustado ao habitat. Devido a isso, os primeiros desbravadores se viram na contingência de adaptar-se à vida indígena, dentro deste processo de adaptação se fez necessário aprender a língua comumente falada na costa, que chegou até nós com o nome de “geral”. Entretanto, mais tarde, os missionários tiveram um papel fundamental para alastrar a sua língua “superior” entre os meninos das tabas, embora se tenha registrado, que estes não conseguiam pronunciar nenhuma palavra com f, l ou r.
   Em seguida, o autor discute a questão da inserção dos negros da África no cenário linguístico brasileiro, acrescendo, dessa forma, o contato entre culturas. Com o tráfico negreiro, que trazia a mão-de-obra escrava para a lavoura açucareira fez com que os africanos se instalassem no litoral: Bahia, Sergipe, Rio de Janeiro, São Paulo, Maranhão, Pará e Minas Gerais. No que se refere à questão lingüística, propriamente dita, Serafim da Silva Neto levanta a hipótese de que os negros, por serem originários de possessões lusitanas, certamente teriam um dialeto crioulo-português.  No tocante à influência do negro na língua do Brasil, há de ter-se em conta a maior ou menor distância entre o senhor e o escravo. O autor também afirma que era essencial o contato do negro com os brancos para haver um processo de “desafricanização” deste.
   Diante desse contexto de contato linguístico entre o europeu, o negro e o aborígine, o vocabulário dos povoadores portugueses enriquecia-se ao adotar numerosos vocábulos designativos de coisas e de fatos americanos, mas, por outro lado, restringia-se por força, porque no Brasil não se encontravam dezenas de coisas ou fatos do Reino.
   O autor faz um balanço com relação a esse possível enriquecimento da linguagem da língua portuguesa corrente no Brasil, levando em consideração o panorama social da Colônia. Concluindo, então, que o português, falado, sobretudo na costa, principalmente pelos brancos e seus descendentes, com o passar do tempo, naturalmente apresentou traços que o estremariam com o português lusitano.
   Serafim da Silva Neto define o crioulo ou semicrioulo (p.48) como uma adaptação do português no uso dos mestiços, aborígines e negros, e, que se caracterizava pela extrema simplificação de formas, e, talvez nos primeiros tempos, algum traço linguístico devido a fenômenos de interferência de outra língua. Porém, o grupo superior ou dominante do Brasil estava associado ao uso do português e à pele clara, enquanto o socialmente inferior estava ligado à pele escura e justamente ao uso do crioulo ou do tupi.

                      “Todavia, a vitória do português não se deveu a imposição violenta da classe dominante. Ela explica-se pelo seu prestígio superior que forçava ao uso da língua que exprimia a melhor forma de civilização.
109 – O português era a língua da administração: só em português era possível entender-se oficialmente com os agentes do Estado. Para aspirar aos cargos públicos (aliás sempre tão apetecidos) era preciso o conhecimento do português.
Contratos, transmissões, testamentos – enfim, todos os documentos jurídicos – eram escritos na língua dos colonizadores.” (p.61)

   Serafim da Silva Neto afirma que o português era a língua da escola, o falar polido e disciplinado em gramáticas, enquanto a língua geral carecia deste prestígio, pois era um linguajar aprendido de outiva. O tupi nunca se elevou à categoria de língua escrita literária, haja vista que este estava associado à classe mais humilde e rude da sociedade colonial.
  Um acontecimento que o autor considera decisivo para a vitória da língua portuguesa e da cultura européia é a chegada do Príncipe Regente (1807), que possibilita ao Brasil entrar no rol das nações. Principalmente pelo fato da chegada de quinze mil pessoas e o séqüito da família real, que trouxeram consigo para o Rio de Janeiro, os hábitos e os esplendores da vida lisboeta: ‘Tudo se foi re-europeizando: a construção das casas, o modo de vestir e, até, de encarar a vida. Melhora-se a topografia, a higiene, o policiamento e a iluminação das cidades.” (p.63)
   Para ratificar a idéia de unificação do português no Brasil, Serafim da Silva Neto faz uma espécie de retrospecto. Ele parte do processo de colonização, na qual os povoadores portugueses formavam uma pequena elite e misturavam-se fartamente com os negros, índios e mestiços de toda espécie. Somente com o passar do tempo que esta élite foi alargada, devido à ascensão do grupo de mazombos e mestiços na escala social, principalmente com a chegada da corte portuguesa.

                    “(...) Os indivíduos que pouco a pouco iam renovando e acrescentando a pequena élite colonial tinham os olhos voltados para ela, no absorvente desejo de assimilar-se, de purificar-se de tudo que neles ainda lembrasse situação social e inferior.
Os modelos supremos eram a Corte de Lisboa e a Universidade de Coimbra.”(p.61)

   Nesse contexto, os puristas e os gramáticos passaram a condenar tudo aquilo que não fosse rigorosamente cortado pelos figurinos da metrópole, não aceitavam as alterações que a língua assumira na América. Segundo o autor, essa tirania dos puristas, provocou, depois, já no Brasil independente, o exagero oposto de se “fabricar” uma língua brasileira. Contudo, a difusão das escolas e a difusão da instrução foram aos poucos anulando a barafunda linguística e unificando a linguagem brasileira.
   No capítulo III – “As três fases da história da língua portuguesa no Brasil” - o autor diz que estas três fases se processam no âmbito da história externa, tendo como enfoque a questão da progressiva ascensão social do mestiço com as conseqüentes alterações na linguagem. Serafim da Silva Neto afirma que procura ver como, no decurso de quatro séculos, umas linguagens reagiram sobre outras, no sentido da preponderância daquela que representava o mais alto e perfeito meio de civilização: o português.
    Dessa forma, ele vai discutindo a questão da língua geral, o crioulo de negros e índios, o português, e outros episódicos idiomas africanos. O autor acompanha as chamadas lutas recíprocas dentro de contextos históricos decisivos para a sobreposição do português unitário.
   A primeira fase que o autor considera determinante decorre dede o início da colonização (1532) até a expulsão dos holandeses (1654). A segunda se inicia a partir dessa data, que marcando em definitivo o caráter português do Brasil, propiciou o aumento da emigração do Reino. A terceira começa em 1808, com a chegada do Príncipe Regente e da Corte - acontecimento que transformava o Rio de Janeiro em capital do mundo português.
  A primeira fase é caracterizada pelo número escasso do elemento branco em contraposição ao número excessivo de índios. É a fase do desbravamento e do primeiro contato inter-racial, surgindo, então, o mameluco. Essa fase se destaca lingüisticamente pela necessidade de uma língua geral para todos: aos mercadores nas suas viagens, aos aventureiros em suas expedições sertão adentro, aos habitantes das vilas em suas relações com o gentio; embora se falasse português também.

                    “Com a implantação dos primeiros núcleos de brancos, na orla marítima, é certo que para eles começaram a afluir alguns gentios mais acessíveis à assimilação. Em contato com os europeus iam perdendo numerosos traços de sua cultura e adotando os da cultura dos colonizadores. Alguns mesmo, criados e educados, desde pequenos, pelos jesuítas, eram logo incorporados à civilização.” (p.70)

  Posteriormente, na segunda fase (de 1654 a 1808) o elemento indígena, incompatível com a civilização européia, vai rareando e desaparecendo, ao mesmo passo que cresce a influência dos brancos e dos negros. Com relação aos negros, já na década de 1590-1600, no litoral da Bahia e Pernambuco, foi-se afirmando a substituição do escravo índio pelo africano; aos 100.000 importados no século XVI correspondem 600.000 no século XVII e 1.300.000 na centúria seguinte.
  Segundo Serafim da Silva Neto, a fala dos senhores, o idioma oficial e literário irradiava-se, tomando no Brasil alguns aspectos próprios que, sem fugir à estrutura linguística comum que constitui o mesmo domínio linguístico, o distinguem do português europeu. Contudo, produzia-se uma nivelação linguística, provocada pela mistura de falares metropolitanos. A ação dos missionários – quer nas escolas, quer nas prédicas diárias – muito contribuiu para a difusão do português.
  Esse português foi influenciado pelo povoamento do interior que se fez com as massas do litoral. Eram compostas com as massas, em percentagem diversas, de índios, negros, mestiços e brancos decaídos – que se entendiam num falar crioulo, linguajar de emergência, em que o branco figurava como professor involuntário e desinteressado.
O autor faz alusão a uma ilha cultural existente no Brasil-colônia – a chamada “república” dos Palmares – uma comunidade formada por negros que abandonaram os engenhos por força de guerra. Essa comunidade tinha como singularidade o falar, um dialeto africano do tipo bantu, que decerto influenciou o vocabulário do português brasileiro.
  Conforme Serafim da Silva Neto, na terceira fase (de 1808 ...) com a chegada do Príncipe Regente houve mudanças profundas na vida colonial, haja vista que as élites rurais, as grandes famílias do campo, emigraram para as cidades, em busca dos prazeres da vida urbana. Ainda segundo o autor, essa rápida urbanização, não só proporcionou grande incremento da cultura do Rio como provocou uma larga ação social sobre toda a colônia.
  Houve nesse período uma acentuação da oposição entre dos habitantes do litoral e os do interior, acarretando uma distinção entre os falares urbanos e os falares rurais. Destarte, “dos princípios da colonização até 1808, e daí por diante com intensidade gradativamente maior, se notava a dualidade lingüística entre a nata social, viveiro de brancos e mestiços que ascenderam, e a plebe, descendentes de índios, negros e mestiços da colônia.” (p.80). Nesse universo da plebe, maior é o grau do linguajar crioulizante.
   Para finalizar o terceiro capítulo, é discutida a questão da literatura nacional enquanto instrumento representativo de uma língua padrão; afirmando, então, que o português culto do Brasil não deve ser, de nenhum modo, uma imitação servil do português culto dos antigos (clássicos) ou do português castigado dos grandes escritores do imenso Portugal. Especialmente porque com Alencar, Machado de Assis e Euclides da Cunha já teríamos uma apreciável tradição de português culto. Dessa forma ele conclui:

                     “Mas, por outro lado, não nos queiram impor, como padrão e modelo, o falar rústico e regional, cuja origem há de buscar-se no tosco linguajar de aborígines e de negros recém-importados. Esse tipo de falar pode servir de base a uma interessante literatura regional (v. Vatulo da Paixão Cearense e Leonardo Mota) mas nunca servirá de expressão e matéria- prima à verdadeira literatura nacional.”(p.90)

   No capítulo IV – Contato e interação lingüística no Brasil colonial – Serafim da Silva Neto afirma que nos primeiros estudos sobre o português no Brasil, escritos em geral por amadores, exageravam e sem nenhum método ou crítica, a influência indígena (teses indiófilas), e, mais tarde passou-se a fazer o mesmo com a influência dos negros (teses negrófilas).
   O autor critica este pensamento, defendendo que a fala do índio ou do negro não era o ideal dos mamelucos e mulatos, muito pelo contrário, o prestígio do sangue branco, pairava acima de tudo. Pois, do branco prevaleceu, a religião, os hábitos, a língua. Ainda argumenta  que, no tocante à etnografia algo nos ficou do negro e do índio: mas a língua, dentre todas as instituições sociais é a que mais fortemente se impõe aos indivíduos, e devido não sofreu influências decisivas, senão apenas incorporações ao vocabulário e à fraseologia, bem como um ou outro fato restrito a falares regionais. Para sustentar a sua argumentação Serafim da Silva Neto retoma a questão da língua crioula:

                     “No português brasileiro não há, positivamente, influência de línguas africanas ou ameríndias. O que há é cicatrizes da tosca aprendizagem que da língua portuguesa, por causa de sua mísera condição social, fizeram os negros e os índios.
Aqui é necessário conceituar o que seja dialeto crioulo. Esses falares representam uma língua européia toscamente aprendida por povos de cultura e situação social inferior, de aprender rapidamente, a língua do senhor, aprendê-la de outiva e não pelo regular ensino da escola. As gerações seguintes adquirem apenas essa linguagem de emergência, que assim se consegue firmar.” (p.97)

   Ainda segundo o autor, no longo do contato linguístico entre o povo de cultura superior e os povos mais atrasados – índios e negros – não houve apenas ação corruptora na linguagem do branco. O autor salienta que houve vários graus de influências mútuas: se houve brancos e luso-descendentes que, decaídos, se incorporaram às camadas ínfimas da população, também mamelucos, mulatos e mestiços de toda espécie poliram a linguagem rústica no cotidiano contato com a família dos senhores.
    O autor ratifica que, fica patente o fato de que, nas cidades, a escolas propiciaram a aquisição de um equipamento intelectual mais elevado. Dessa maneira tornou-se possível para mestiços de toda a ordem ascender na escala social, equiparando-se aos brancos nos conhecimentos técnicos, científicos ou literários.
   Serafim da Silva Neto afirma que no último quartel do século XIX, se começou a estudar o português do Brasil, os investigadores atribuíam enorme importância à influência tupi (p.105), ou seja, a língua com que o português entrou em contato desde o início da colonização. As razões de tal atitude eram as seguintes:

1)    sentimento patriótico, que procurava ressaltar o que julgavam as raízes da nacionalidade;
2)    insuficiente conhecimento científico do tupi;
3)    ignorância das reais conseqüências dos contatos de línguas, que então se equiparavam, erradamente, à mestiçagem física.

   Para questionar esta concepção, o autor argumenta que o que chamamos português do Brasil não é uma unidade, mas um conceito coletivo, que pode se desdobrar da seguinte forma: 1) língua comum, matizada com vocabulário aqui e além divergente e pronúncia nossa; 2) língua familiar; 3) língua vulgar das cidades, tipo a que podemos aproximar as gírias; 4) língua regional. Então, conclui que em relação aos três primeiros tipos não há nenhuma influência de línguas ameríndias; e, que com relação ao negro, pode-se falar em influência urbana e rural (que se apresenta de forma dicotômica (p.124), mas no caso dos índios, que cedo saíram da vida das cidades, só se pode falar em influência rural.
   O autor salienta que o contato e a repetida interação entre o português de brancos, índios, negros e mestiços não implica na aceitação de traços fonéticos, morfológicos ou sintáticos de línguas índias ou africanas. Os fenômenos de aculturação no campo linguístico, geralmente conhecidos com os nomes de ação do substrato, do superestrato ou do adstrato, são mais sutis e complexos do que o simples aprendizado imperfeito e tosco de uma língua imposta; e que para haver influência se faz necessário um período mais ou menos longo de bilinguismo, para poder, então, ocorrer uma interferência.
   No capítulo V – Panorama atual da língua portuguesa no Brasil – Serafim da Silva Neto retoma o período da colonização, mais especificamente o que concerne à difusão do português falado no Brasil a partir da penetração dos núcleos humanos constituídos no litoral. Para tanto, ele adota a idéia dos focos de irradiação da cultura e civilizamento, exposta por João Ribeiro,  baseiam-se em cinco células fundamentais que, por multiplicação formaram todo o tecido do Brasil: I – a do Maranhão ao Pará; II – a de Pernambuco; III – a da Bahia; IV – a do Rio de Janeiro e V- a de São Paulo.
   A partir do exposto, o autor revela que existe uma grande dificuldade na divisão do Brasil em áreas linguísticas, especialmente pelo fato de haver uma grande deficiência de estudos preliminares acerca da extensão das linhas isoglossas. Contudo, ele acredita que poderia dar certo o quadro esboçado por Antenor Nascentes, que divide os dialetos brasileiros em dois subdialetos, o do Sul e o do Norte, cada um deles com diversas variantes.
  De forma resumida ele conclui que na língua portuguesa, falada em Portugal e no Brasil, há diferença de lugar para lugar e de classe social, e, que, consequentemente, temos os falares do português em Portugal e os falares do português no Brasil. Ainda afirma que, o atual estado linguístico brasileiro decorre dos estados anteriores, utilizando como exemplo, o antigo crioulo que hoje representa a linguagem circunscrita aos campos do interior, utilizada pelos tabaréus, matutos e caipiras, continuadores da antiga plebe rural.

                       “Está nesse frisante o fato, que representa vestígio do crioulo colonial, do desaparecimento da flexão numérica por meio de –s: os livro, as mesa.
O mesmo se dirá da extrema simplificação das formas verbais, outra cicatriz do primitivo aprendizado tosco da língua portuguesa. De modo geral, em todas as regiões, só se usam a 1a  e a 3a pessoas; o plural da 1a pessoa perde o –s: bamo, fazemo, fomo e, nos proparoxítonos, perde a terminação –mos: nós, ia, fosse, andava. No pretérito perfeito o á tônico passa a e: andemo, caminhemo. Em toda a parte o futuro exprime-se com o presente do indicativo: eu vô, nois fazemo.” (p.135)

   O autor ratifica que essa linguagem, sobretudo nos últimos cinquenta anos, tem sofrido influências planificadoras que se irradiam das cidades e se manifestam através dos jornais, do rádio e do ensino escolar. Entretanto, alega que na urbs, porém, não se devem considerar apenas a classe média e a classe mais elevada, já que se é preciso levar em consideração a classe mais baixa, constituída pela ralé de brancos e por descendentes de antigos escravos, que não puderam ascender socialmente.
   Nas classes urbanas mais modestas ocorrem fatos comuns aos falares rurais, como a sintaxe, por exemplo, em que ocorre no uso do ter, ao contrário da culta que utiliza o haver. Bem como o emprego de preposições em com verbos de movimento: vou na cidade, cheguei na rua; e o uso de mim como sujeito nas orações infinitas: pra mim comer.
No capítulo VI – A língua comum no seu aspecto brasileiro (português do Brasil) e as repercussões na língua literária. Caráter conservador da pronúncia brasileira. – Serafim da Silva Neto afasta-se da discussão da língua transmitida por via oral e ingressa na perspectiva da inserção da língua comum, mais especificamente a literária, no contexto brasileiro.
   De acordo com o autor, a língua comum é o vínculo que torna possível a compreensão entre os falantes, pois é o instrumento principal de comunicação social e por isso, sobrepõe-se às variações locais e profissionais. A língua literária é a sua utilização estética. A partir dessas elucubrações o autor argumenta que a língua portuguesa escrita sobrepõe-se à linguagem grosseira dos Índios e dos Negros, bem como, ao falar rústico e rude dos colonizadores oriundos da província ou das baixas classes, como um meio superior de manifestação e de comunicação.
  Serafim da Silva Neto afirma que as escolas fundadas desde o início da colonização pela Companhia de Jesus asseguraram que o português dos colonos da alta camada social mantivesse um caráter muito conservador; e, que mesmo depois da Independência (1822) a fidelidade à pureza da língua se manteve.
  O autor admite que essa rigidez gramatical mantida no Brasil fez com que a língua portuguesa aqui produzida se distanciasse um pouco da língua de Portugal. Dessa forma, o autor enumera alguns fatores para esse distanciamento: 1- o vocabulário normal brasileiro em muitos casos é conservador: mantém a palavra antiga, substituída em Portugal por uma inovação moderna; 2- em outros casos a palavra normal no Brasil é regional em Portugal; 3- ainda em outros casos a palavra normal no Brasil é empréstimo das línguas ameríndias ou africanas; 4- as diferenças provenientes de novas criações que se cunham independentemente de um lado e do outro do Atlântico: auto-carro (Lisboa), ônibus (Rio).
  Serafim da Silva Neto também apresenta as mudanças ocorridas no âmbito da pronúncia, que segundo ele, aconteceram devido ao fato de Lisboa, depois do século XIX, ter se tornado foco inovador; enquanto que no Brasil, a pronúncia repousa sobre um sistema fonético muito antigo e de aspecto urbano. Vale ressaltar que o autor centra sua análise na pronúncia carioca, estendendo-a como parâmetro para todo o Brasil:

                      “É verdade que os traços aqui referidos como da pronúncia culta carioca se estendem a todo o País, com exceção de um ou outro: por exemplo – e e –o finais pronunciados como –i e –u ( e suas conseqüência palatizadoras), e o –s final chiante. Mas o que caracteriza a pronúncia culta carioca é a ausência de traços regionais e rústicos: isto lhe dá aquela característica que o lingüista dinamarquês Otto Jespersen considerava definidora de uma pronúncia padrão: a de ser a que menos revela a proveniência do falante.” (p.164)

   O autor justifica a superioridade da pronúncia padrão carioca com a urbanização do Rio de Janeiro em princípios do século XIX, e o seu reaportuguesamento, graças a uma intensa imigração do Reino. A partir do parâmetro da pronúncia do Rio de Janeiro, Serafim da Silva Neto observa e cita alguns exemplos de pronúncias contrastantes, marcadas por traços regionais. Esse contraste, hipoteticamente, pode acontecer devido a dois fatores: a permanência de pronúncias portuguesas antigas do século XVI (da língua padrão ou de falares regionais) ou a persistência de antigas pronúncias aloglotas.
Após o paralelo estabelecido, o autor interpreta que a linguagem regional brasileira se caracteriza pela unidade, proveniente de um nivelamento provocado pela mistura dialetal, e em contrapartida, pelas particularidades arcaizantes. Serafim da Silva Neto classifica algumas dessas particularidades arcaicas dentro de vários matizes da linguagem brasileira:

                          “Ao conjunto de nossa fala podemos conferir:
a) a manutenção de e e o pretônicos; b) manutenção do ditongo ei e, em parte, de ei, pronunciado ê: primero, etc; c) manutenção de e antes de palatal; mannutenção de algumas formas: faceiro, perguntar, severo, e outras; manutenção de alguns torneios sintáticos: vi ele; fui na casa dele; chamar de; andava penando (por andava a penar).
 À dialetologia brasileira pertencem:
a) certos fatos pertinentes às vogais nasais; b) o fonema tchê; c) certos fatos referentes à nasalação (lua, quisérõ, etc.); d) certos fatos referentes ao –s; e) as demais particularidades sintáticas e vocabulares apontadas nessa nota.
Ao português brasileiro, podemos portanto, atribuir características opostas: particularidades arcaicas e novos desenvolvimentos. Estes últimos operam-se rigorosamente no sentido da deriva.” (p.183)

   O autor conclui que a situação dos falares portugueses do Brasil se processa da seguinte forma: ao redor das cidades existem áreas por ela influenciadas, porém, essas ondas linguísticas irradiadas das urbes, vão-se amortecendo à proporção que caminham para a periferia; confirmando, dessa maneira, o princípio de que as áreas mais isoladas são mais arcaicas. Quanto à questão literária, ele afirma que a linguagem literária brasileira merece capítulo à parte, onde se exponham a sua tradição e evolução.
  No capítulo VII – Do método na pesquisa dos falares brasileiros – Serafim da Silva Neto faz algumas propostas metodológicas para serem desenvolvidas por pesquisadores dos falares modernos no âmbito da dialetologia. No primeiro momento, o autor defende que se deve organizar um questionário que pode ser, depois das primeiras experiências, ampliado. O questionário deve abarcar os seguintes aspectos: I- A Terra – a) A natureza, os fenômenos atmosféricos, os astros, o tempo, etc., b) Flora (plantas, árvores, frutos, etc.); II – Os animais (nomes de diferentes animais e também dos objetos e atividades com eles relacionados); III- O Homem – a) Partes do cormpo, b) Doenças, feridas, qualidades e defeitos físicos e morais, etc., c) Nascimento, casamento, morte, relações sociais; d) Instrumentos agrícolas, preparação das terras e de alguns de seus produtos (o carro de bois, o arado; o fabrico de pão, do vinho, etc.); e) Ofícios, profissões e atividades diversas; f) Alimentação; g) Religião; h) Festas populares, divertimentos, etc.; i) Assuntos diversos.
  Um outro fator considerado importante pelo autor é a seleção do informante, que deve se estabelecer a partir de uma relação de confiança, portanto, se torna aconselhável a permanência do pesquisador por alguns dias na região estudada, possibilitando, assim, o maior número de conversas. Os critérios para a seleção dos informantes seriam:

                                “A boa escolha do informador não é fácil tarefa: há de procurar-se homem ou mulher do povo que satisfaça, tanto quanto possível, as seguintes condições: não ser desdentado; ter nascido e ter vivido sempre na terra; não se envergonhar de sua linguagem; ter memória pronta; ser normalmente inteligente e, de preferência, analfabeto.” (p.195)

    Serafim da Silva Neto defende que a linguagem que deve ser estudada não é a das pessoas mais idosas (que representam um estado linguístico arcaizado), mas a de geração média – pessoas entre cinquenta e sessenta anos, que constituem a parte mais importante da população, pois a finalidade é registrar o estado linguístico atual.
   Mas conforme o autor, não é mais interessante registrar esse estado linguístico de forma isolada, pois se faz necessário também colher os dados relativos à região a qual a comunidade linguística está inserida, como: a I- Ecologia (terra, localização, distância do centro, clima, topografia, etc.); 2 - Gente (população total, distribuição por idades e secos, constituição média da família, número de casas, raças, nacionalidades e mobilidade); 3- Condições higiênicas; 4- Configuração do povoado. II - O passado (circunstâncias da fundação do povoado, mestiçagens sucessivas); III- Economia (coleta, plantação, criação, indústria, comércio, salários, etc.); IV Sociedade e Cultura (dificuldade ou facilidade de entrar em contato, modos de cumprimentar, alimentos e hábitos de comer, vestuário, ritual e cerimônia, folclore, entre outros).
   No capítulo VIII – Duas palavras sobre a língua literária – Serafim da Silva Neto afirma que em todos os tempos da Colônia houve uma pequena élite que estava estreitamente ligada ao espírito metropolitano, e, portanto, forma um núcleo da mais alta importância, haja vista que, significava a manutenção do contato com a língua escrita e literária.
   Essa manutenção da língua escrita e literária se dava graças à organização escolar dos jesuítas e ao permanente contato que se mantinha com a Universidade de Coimbra. Destarte, os escritores brasileiros tinham os olhos voltados para a metrópole, copiando os modelos estéticos de além-mar.
   Com a Independência (1822), os escritores beberam na língua padrão que se fora constituindo no Brasil –“língua que, rigorosamente portuguesa no material, diferia da linguagem lusa no tocante à expressa, isto é, na escolha das opções”(p.211). Ainda de acordo com o autor, a literatura realmente nacional só se inicia com os românticos, pois eles foram os primeiros a trabalhar artisticamente a matéria-prima da língua padrão brasileira.
   Afastando-se dos modelos até então rigorosamente copiados, adotaram mudanças de ordem sintática, morfológica e lexical. Nesse contexto, houve posturas reacionárias de adeptos da servil imitação dos modelos clássicos portugueses, que viam escritores como Alencar e Bernardo Guimarães como autores incorretos, que escreviam mal.
Serafim da Silva Neto postula que, embora os escritores da nossa chamada era nacional (de 1822 em diante), tivessem um sentimento de lusofobia, não almejavam criar uma língua brasileira, pois o que decerto pretenderam, e conseguiram, foi a expressão de um estilo nosso, sustentado pelas particularidades da linguagem brasileira. A partir do exposto ele conclui: Linguagem brasileira, mas língua portuguesa.
   Além disso, o autor argumenta que no caso de José de Alencar, sua “posição” apresenta as seguintes linhas mestras: 1 – reação contra o purismo, ou seja, contra a exagerada submissão aos bons autores do passado; e 2 – a busca de uma expressão brasileira que proporcionaria, em suma, a literatura “brasileira”. Assim nos distinguiríamos dos séculos XVII e XVIII, onde houve apenas, literatura portuguesa do Brasil, ou o grupo brasileiro da literatura portuguesa. Dessa forma, o autor ressalta que em nenhum momento Alencar pretendeu criar uma nova língua.
   Serafim da Silva Neto defende a ideia de que o brasileirismo literário é uma atitude face ao material linguístico, e não se caracteriza pelo anseio de independência linguística, mas realiza o ideal da independência literária: “Enobrecer e honrar o largo tesouro que de Portugal recebemos, não é reproduzir os seus giros sintáticos e modos de dizer, mas sim criar novo meios de expressão, novas formas plásticas, com que a língua portuguesa possa exprimir, do riso à lágrimas, todos os sentimentos humanos” (p.233) 
   Na conclusão de seu livro intitulada de – “A unidade essencial do domínio linguístico português: a unidade na diversidade e a diversidade na unidade” – o autor tenta indicar minuciosamente os fatores que, no Brasil, levaram à unificação e ao aspecto antigo, retomando, dessa forma, questões discutidas ao longo do texto, como a transplantação durante o povoamento, o contato inter-racial que fez surgir uma língua de emergência, o isolamento espacial, dentre outras.
   Serafim da Silva Neto salienta que unidade não significa igualdade, pois no tecido linguístico brasileiro há gradações de cores. Meticuloso estudo de campo comprovaria que o conjunto dos falares brasileiros se coaduna com o princípio da unidade na diversidade e da diversidade na unidade. Pois ele procurou explicar a unidade dos falares regionais, de caráter rural e, na língua escrita essa unidade se justifica pela manutenção dos padrões herdados.
  O autor ainda considera dois fatores decisivos em sua argumentação: 1- o reiterado e constante esforço do poder público que difundia a língua escrita nas suas determinações oficias e fomentava o seu estudo nas escolas; e 2- a vontade e a consciência de falar Português, manifestada pela élite colonial, e de imitar os cânones da metrópole, através da leitura dos bons autores e da obediência ao códigos gramaticais de além-mar.
  Serafim da Silva Neto defende que o domínio linguístico português é um reflexo de outra unidade superorgânica e até supranacional, de uma substância amalgamada pela História, a que é costume chamar Cultura Portuguesa. Cultura, que segundo ele, soube adaptar-se, interligando territórios, criando, assim, uma unidade para além dos espaços, para além do tempo “e até mesmo para além das soberanias, pois o Brasil e o Império são irmãos gêmeos.”

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