LUCCHESI, Dante. O conceito de transmissão linguística irregular e o processo de formação do português no Brasil. In: RONCARATI, Claudia; ABRAÇADO, Jussara (orgs.) português brasileiro: contato linguístico, heterogeneidade e história. Rio de Janeiro: 7 letras, 2003.
Dante Lucchesi desenvolve uma interpretação sobre a história sociolingüística do Brasil, com base na visão de que a realidade linguística brasileira é polarizada, refletindo, deste modo, o seu processo histórico de formação; em que os padrões linguísticos de uma pequena elite letrada, fortemente influenciada pelo padrão normativo de Portugal, opõem-se aos padrões linguísticos da grande maioria da população brasileira não escolarizada. Esses padrões linguísticos populares, ou vernáculos, do Brasil teriam sido afetados em sua formação histórica pela aquisição precária do português por milhões de escravos africanos e índios brasileiros e pela nativização desse modelo precário de português falado como segunda língua pelos descendentes mestiços desses segmentos. Dessa forma, o seu artigo intitulado “O conceito de transmissão linguística irregular e o processo de formação do português no Brasil (2003)” tem como objetivo:
“O objetivo desse artigo é chamar atenção para a necessidade de a crioulística desenvolver uma compreensão sistemática para tal processo histórico, extremamente relevante em termos demográficos. Através do conceito de transmissão irregular, pretende-se delinear os parâmetros sócio-históricos e lingüísticos que possam servir de base para uma visão sistemática dos processos históricos de mudanças induzidas pelo contato entre línguas que não resultam na formação de pdgins e crioulos típicos”
Lucchesi afirma que o conceito de transmissão lingüística irregular por ele adotado, designa os processos históricos de contato massivo e prolongado entre as línguas, nas quais a língua que mantém o poder político é tomada como modelo ou referência para os demais segmentos. Esse contato pode conduzir à formação de uma língua nova, denominada língua pidgin, ou crioula, ou à simples formação de uma nova variedade histórica da língua que predomina na situação de contato.
Segundo Lucchesi, no plano linguístico, no momento em que uma grande parcela de adultos é forçada a adquirir uma segunda língua emergencialmente em função de relações comerciais e/ ou de sujeição, a variedade dessa língua alvo que se forma nessa situação, apresenta uma forte redução/simplificação em sua estrutura gramatical, posto que só os elementos essenciais necessários ao preenchimento das funções comunicativas básicas são mantidos. Esta redução na estrutura gramatical deve-se a:
. “ (i) ao difícil acesso dos falantes das outras línguas aos modelos das línguas alvo, sobretudo nas situações em que os falantes dessa língua alvo são numericamente muito inferiores aos falantes das outras línguas;
(ii) ao fato de os falantes dessas outras línguas serem, em sua grande maioria, adultos, não havendo, pois, o acesso aos dispositivos da faculdade da linguagem, que atuam naturalmente no processo de aquisição da língua materna;
(iii) á ausência de uma ação normatizadora, ou seja de uma norma ideal que oriente e restrinja o processo de aquisição/nativização, já que esse processo tem como objetivo fundamentalmente a comunicação emergencial com os falantes da língua alvo.”
Ainda segundo o autor, com o prolongamento da situação de contato, essa variedade da língua alvo falada como segunda língua pelos indivíduos dos grupos dominados, por ser socialmente mais viável, vai progressivamente assumindo novas funções na rede de interação lingüística, ao tempo em que se vai convertendo em modelo para a aquisição da língua materna dos descendentes dos falantes das outras línguas. Na medida em que o primitivo código de comunicação emergencial, por suas limitações estruturais, é incapaz de atender às demandas decorrentes de sua expansão funcional, é preciso que haja também um incremento da estrutura gramatical desse código de emergência, seja através da gramaticalização de itens lexicais oriundos da língua alvo, seja através da incorporação de dispositivos gramaticais das outras línguas na estrutura da nova variedade linguística. Deste modo, a expansão gramatical do código de comunicação emergencial ocorre principalmente através dos processos de reestruturação original da gramática e através da transferência de estrutura provenientes das outras línguas, no que se costuma denominar em crioulística de influência de susbstrato.
No que se refere esta questão do substrato, Lucchesi afirma que no caso do Brasil, existe um problema de ordem histórico-demográfica, que consiste na grande heterogeneidade linguística do substrato proveniente das transplantações de africanos para a América, bem como, o estigma que carregava a herança cultural africana nas sociedades coloniais. Portanto, Lucchesi tende nas suas discussões a não se centrar tanto na questão do substrato, em detrimento de uma discussão mais pautada na reestruturação original da gramática.
O autor afirma que a diferença entre os casos de transmissão linguística irregular mais leves e os casos típicos de crioulização e pidginização estaria, em parte, situada no grau de intensidade desses processos de mudança. Nos processos típicos de crioulização, ocorreria uma perda da morfologia flexional tanto do nome quanto do verbo, e das regras de concordância a elas associadas. Esse é o caso, por exemplo, dos crioulos de base portuguesa da África. Nos crioulos portugueses de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe, as regras de concordância nominal e verbal do português foram praticamente eliminadas. Nessas ocorrências, os processos de gramaticalização que ocorrem nas fases de reestruturação da nova variedade linguística emergente seriam bastante profundos.
Ainda afirma que o chamado português popular do Brasil (PPB) se caracteriza pelas marcas crioulizantes, e atualmente fica circunscrita às variedades rurais mais refratárias, ao longo de toda história, à influência normatizadora dos círculos institucionais urbanos. Essa modalidade linguística se caracteriza pela eliminação de marcas morfológicas da 2ª pessoa da flexão verbal, e na maioria das vezes a utilização do pronome você eliminou a morfologia da 2ª pessoa; mas mesmo onde o tu sobrevive, não ocorre geralmente à concordância verbal, em claro contraste com o que ocorre com o português europeu (PE).
Lucchesi ratifica que o processo de transmissão linguística irregular é de vital importância para o entendimento do desenvolvimento histórico do português do Brasil e da sociolinguística do continente americano como um todo. Concluindo que: “Podemos assumir, então, que em todo e qualquer processo de transmissão linguística irregular desencadeado pelo contato entre língua ocorre, em maior ou menor grau, perda de morfologia flexional e de regras de concordância nominal e verbal.” (p.282)
Dante Lucchesi desenvolve uma interpretação sobre a história sociolingüística do Brasil, com base na visão de que a realidade linguística brasileira é polarizada, refletindo, deste modo, o seu processo histórico de formação; em que os padrões linguísticos de uma pequena elite letrada, fortemente influenciada pelo padrão normativo de Portugal, opõem-se aos padrões linguísticos da grande maioria da população brasileira não escolarizada. Esses padrões linguísticos populares, ou vernáculos, do Brasil teriam sido afetados em sua formação histórica pela aquisição precária do português por milhões de escravos africanos e índios brasileiros e pela nativização desse modelo precário de português falado como segunda língua pelos descendentes mestiços desses segmentos. Dessa forma, o seu artigo intitulado “O conceito de transmissão linguística irregular e o processo de formação do português no Brasil (2003)” tem como objetivo:
“O objetivo desse artigo é chamar atenção para a necessidade de a crioulística desenvolver uma compreensão sistemática para tal processo histórico, extremamente relevante em termos demográficos. Através do conceito de transmissão irregular, pretende-se delinear os parâmetros sócio-históricos e lingüísticos que possam servir de base para uma visão sistemática dos processos históricos de mudanças induzidas pelo contato entre línguas que não resultam na formação de pdgins e crioulos típicos”
Lucchesi afirma que o conceito de transmissão lingüística irregular por ele adotado, designa os processos históricos de contato massivo e prolongado entre as línguas, nas quais a língua que mantém o poder político é tomada como modelo ou referência para os demais segmentos. Esse contato pode conduzir à formação de uma língua nova, denominada língua pidgin, ou crioula, ou à simples formação de uma nova variedade histórica da língua que predomina na situação de contato.
Segundo Lucchesi, no plano linguístico, no momento em que uma grande parcela de adultos é forçada a adquirir uma segunda língua emergencialmente em função de relações comerciais e/ ou de sujeição, a variedade dessa língua alvo que se forma nessa situação, apresenta uma forte redução/simplificação em sua estrutura gramatical, posto que só os elementos essenciais necessários ao preenchimento das funções comunicativas básicas são mantidos. Esta redução na estrutura gramatical deve-se a:
. “ (i) ao difícil acesso dos falantes das outras línguas aos modelos das línguas alvo, sobretudo nas situações em que os falantes dessa língua alvo são numericamente muito inferiores aos falantes das outras línguas;
(ii) ao fato de os falantes dessas outras línguas serem, em sua grande maioria, adultos, não havendo, pois, o acesso aos dispositivos da faculdade da linguagem, que atuam naturalmente no processo de aquisição da língua materna;
(iii) á ausência de uma ação normatizadora, ou seja de uma norma ideal que oriente e restrinja o processo de aquisição/nativização, já que esse processo tem como objetivo fundamentalmente a comunicação emergencial com os falantes da língua alvo.”
Ainda segundo o autor, com o prolongamento da situação de contato, essa variedade da língua alvo falada como segunda língua pelos indivíduos dos grupos dominados, por ser socialmente mais viável, vai progressivamente assumindo novas funções na rede de interação lingüística, ao tempo em que se vai convertendo em modelo para a aquisição da língua materna dos descendentes dos falantes das outras línguas. Na medida em que o primitivo código de comunicação emergencial, por suas limitações estruturais, é incapaz de atender às demandas decorrentes de sua expansão funcional, é preciso que haja também um incremento da estrutura gramatical desse código de emergência, seja através da gramaticalização de itens lexicais oriundos da língua alvo, seja através da incorporação de dispositivos gramaticais das outras línguas na estrutura da nova variedade linguística. Deste modo, a expansão gramatical do código de comunicação emergencial ocorre principalmente através dos processos de reestruturação original da gramática e através da transferência de estrutura provenientes das outras línguas, no que se costuma denominar em crioulística de influência de susbstrato.
No que se refere esta questão do substrato, Lucchesi afirma que no caso do Brasil, existe um problema de ordem histórico-demográfica, que consiste na grande heterogeneidade linguística do substrato proveniente das transplantações de africanos para a América, bem como, o estigma que carregava a herança cultural africana nas sociedades coloniais. Portanto, Lucchesi tende nas suas discussões a não se centrar tanto na questão do substrato, em detrimento de uma discussão mais pautada na reestruturação original da gramática.
O autor afirma que a diferença entre os casos de transmissão linguística irregular mais leves e os casos típicos de crioulização e pidginização estaria, em parte, situada no grau de intensidade desses processos de mudança. Nos processos típicos de crioulização, ocorreria uma perda da morfologia flexional tanto do nome quanto do verbo, e das regras de concordância a elas associadas. Esse é o caso, por exemplo, dos crioulos de base portuguesa da África. Nos crioulos portugueses de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe, as regras de concordância nominal e verbal do português foram praticamente eliminadas. Nessas ocorrências, os processos de gramaticalização que ocorrem nas fases de reestruturação da nova variedade linguística emergente seriam bastante profundos.
Ainda afirma que o chamado português popular do Brasil (PPB) se caracteriza pelas marcas crioulizantes, e atualmente fica circunscrita às variedades rurais mais refratárias, ao longo de toda história, à influência normatizadora dos círculos institucionais urbanos. Essa modalidade linguística se caracteriza pela eliminação de marcas morfológicas da 2ª pessoa da flexão verbal, e na maioria das vezes a utilização do pronome você eliminou a morfologia da 2ª pessoa; mas mesmo onde o tu sobrevive, não ocorre geralmente à concordância verbal, em claro contraste com o que ocorre com o português europeu (PE).
Lucchesi ratifica que o processo de transmissão linguística irregular é de vital importância para o entendimento do desenvolvimento histórico do português do Brasil e da sociolinguística do continente americano como um todo. Concluindo que: “Podemos assumir, então, que em todo e qualquer processo de transmissão linguística irregular desencadeado pelo contato entre língua ocorre, em maior ou menor grau, perda de morfologia flexional e de regras de concordância nominal e verbal.” (p.282)
Estou a fazer um paralelismo com a situaçao linguistica dos paises africanos colonizados por portugal, olhando o portugues vs línguas locais. a variante do portugues falado esta distante da norma europeia de que os nativos (não escolarizados) nao tem acesso resultando assim numa especie de um novo portugues. pelas caracteristicas aqui apresentas, estamos diante de uma transmissão irregular, certo!
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