quarta-feira, 30 de junho de 2010

Variantes nacionais do português: sobre a questão da definição do português do Brasil



LOBO, Tânia Conceição Freire. Variantes nacionais do português: sobre a questão da definição do português do Brasil. Revista Internacional de Língua Portuguesa, Lisboa, v.12, p.9-15, dez. 1994.



  Tânia Lobo inicia seu texto “Variantes do português: sobre a questão da definição do português do Brasil” afirmando que o português brasileiro, por ter sido uma língua transplantada, suscita interpretações controversas com relação à sua autonomia enquanto sistema linguístico, que se contrapõe com a tese de que este mantém um caráter conservador e unitário.
  Segundo a autora, essa contraposição de interpretações perdura ainda hoje e se iniciou na segunda metade do século XIX, tendo como as suas principais motivações dois fatos da história cultural e política do Brasil: a Independência e o movimento romântico na literatura. Tânia Lobo ressalta que o Romantismo constituiu o primeiro momento de ruptura com a tradição literária portuguesa, não tão somente na eleição de uma temática nacional, pois se estendeu, também, na busca de uma língua literária diferenciada, que pudesse ser identificada como nacional.
  Tânia Lobo afirma que a tradição gramatical ocidental é caracterizada pela adoção da língua literária como referência, e que, sob muitos aspectos, essa referência se aproxima ao conceito hoje amplamente difundido de língua padrão. Dessa forma, a autora  levanta a tese de que, a partir do contexto sócio-político do século XIX, a aspiração à construção de uma língua literária nacional poderia ter evoluído para o desejo de existência de um idioma nacional. Especialmente porque a geração romântica contrapunha-se as chamados puristas, haja vista que esta geração estava fundamentada nas concepções evolucionistas  da lingüística da época, aspirando, dessa forma, a chamada língua brasileira.
  A pesquisadora inicialmente assenta o século XIX, mais necessariamente, o Romantismo como marco na discussão acerca da concepção de língua no Brasil, posteriormente estabelece como novo marco dessa discussão outra escola literária: O Modernismo. Mas antes disso, afirma que o período de transição entre essas duas escolas literárias caracterizou-se, em termos linguísticos, por uma atitude conservadora e até mesmo purista por parte dos seus escritores e intelectuais mais representativos; contra tal atitude os primeiros modernistas reagiram violentamente. Os escritores modernistas  serão os que de fato buscarão na realidade linguística brasileira as formas que constituirão a sua expressão.
  Tânia Lobo faz um panorama  da produção bibliográfica referente à discussão lingüística feita no Brasil, dessa forma, nos apresenta as posições antagônicas dos autores Renato Mendonça e Silvio Elia. O livro intitulado "O português no Brasil" (1936), de Renato Mendonça, defende a validade da tese da existência da língua brasileira, para a construção de sua argumentação, o autor utilizou à geografia linguística. Em contrapartida, Silvio Elia, em seu livro "O problema da língua brasileira" (1940), rejeita a ideia de concepção evolucionista da língua brasileira - que consiste na ideia de que as línguas, enquanto produtos naturais, evoluiriam por si mesmas -; em contrapartida, defende, então, a idéia de que as línguas são produtos culturais, bem como a unidade linguística entre Brasil e Portugal. Tânia Lobo critica essa perspectiva linguística unitária Brasil-Portugal, mas, considera a concepção de língua como um produto cultural, um avanço em relação às ideias que nortearam o pensamento dos neogramáticos.
  Segundo a autora, Serafim da Silva Neto em seu livro intitulado  "Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil" (1950), redimensionou o problema da língua portuguesa, sobretudo por ter como opinião que a língua que se fala no Brasil é a portuguesa, e, que as suas principais características são a unidade e o conservadorismo. A autora ainda afirma que o ano de 1950 marca uma uma fase caracterizada pelo antagonismo entre as correntes tradicionalista e nacionalista,  embora neste período tenha ocorrido toda uma discussão acerca da unidade e do conservadorismo da língua falada no Brasil, solidificou-se, contudo, a posição, ainda hoje hegemônica, da sua definição como portuguesa.
  Tânia Lobo destaca alguns aspectos com o intuito de se analisar a pertinência da tese hegemônica: O primeiro aspecto diz respeito ao estágio de desenvolvimento da linguística no Brasil em meados do século XX; o segundo, aos elementos adotados pelo autor para a construção da sua análise e, o último, está no plano da subjetividade, que consiste na própria visão de mundo do autor – Serafim da Silva Neto.
  O primeiro aspecto - estágio do desenvolvimento da linguística no Brasil - era marcado pelos estudos filológicos, que seguia a linha da tradicional filologia portuguesa da escola de Leite de Vasconcellos, à qual Serafim da Silva Neto também se filiava. A autora ressalta que neste período, a dialectologia (brasileira) ainda não se constituía como uma disciplina que emprega, de forma sistemática, uma metodologia científica própria, pois isso só acontecerá em 1963 com o Atlas prévio dos falares baianos.  Ressalta também, que o estruturalismo só veio a ser difundido no Brasil a partir da década de 60, com a introdução da disciplina de Linguística nos currículos dos cursos de Letras.
  Quanto ao segundo aspecto, a autora critica novamente o filólogo Serafim da Silva Neto, afirmando que além de não fundamentar as suas conclusões em uma base de verificação empírica sistemática, também não dispõe em sua análise os elementos de uma teoria geral do sistema linguístico.
  E por fim, discute o terceiro aspecto – a visão de mundo de Serafim da Silva Neto - que está subordinada aos condicionamentos sócio-culturais e ideológicos, refletindo, assim, a concepção conservadora da língua falada no Brasil defendida por este. Tânia Lobo salienta que a base do pensamento de Serafim da Silva Neto consiste na convicção da superioridade étnica e cultural dos colonizadores brancos portugueses em sobreposição aos índios e negros; o qu evidencia, dessa forma, a idéia de superioridade da língua portuguesa numa escala hierárquica de culturas.
  Tânia Lobo, no decorrer do seu texto, aprofunda sua crítica ao pensamento de Serafim da Silva Neto, que segundo a mesma,  este pensamento, marcado por contradições, se apresenta como uma tese de natureza ideológica: pois graças à “superioridade” da língua do colonizador, que se justifica a imunização desta, diante das outras línguas que manteve contato, mantendo-se, dessa forma, conservadora e unitária.
   Posteriormente, a autora inicia uma discussão com relação ao autor Celso Cunha, pertencente à mesma geração de Serafim da Silva Neto, no intuito de comprovar que o desenvolvimento dos estudos dialetológicos no Brasil provou o contrário da tese de 1950. O autor Celso Cunha estuda a língua enquanto fenômeno histórico, debruçando-se sobre a tese da unidade e do conservadorismo do português brasileiro. Lobo afirma que embora, ao longo da obra de Celso Cunha, essa problemática seja constantemente referida, em um artigo de 1986, intitulado "Conservação e inovação no português do Brasil", o autor analisa especificamente a tese de 1950, sobretudo a parte relativa ao suposto caráter conservador do português do Brasil; as suas conclusões, no entanto, divergem das de Serafim da Silva Neto, pois sobre o problema da unidade, afirma que este é um mito, e que está sendo progressivamente desmentido pelos Atlas linguísticos.
  A autora afirma que, embora tenham ocorrido avanços no âmbito dos estudos dialetológicos, o mito da unidade da língua não deixou de existir. Para elucidar esta afirmação, Tânia Lobo cita o posicionamento de autores mais contemporâneos que suscitam essa discussão:




“(...) Nesse sentido, não se pode deixar de referir a posição de Sílvio Elia, que, em 1979, em um livro intitulado A unidade lingüística do Brasil: condicionamentos geoeconômicos ainda se regozijava diante da constatação da “realidade esplêndida de uma unidade lingüística, quer ao nível culto quer ao popular” (1979:09). A posição de Sílvio Elia, assim como a de Paulo A. Froehlich, que sustenta uma opinião exatamente contrária, são os dois pólos de que parte Nélson Rossi para analisar a questão em A realidade lingüística brasileira: o mito da unidade e sua manipulação. Advertindo sobre a “temeridade” de aceitar falar sobre o tema, na sua opinião, um “objeto mal, assistemática e fragmentariamente conhecido” (1980:35), Rossi não compartilha em absoluto – como o título do seu artigo já anuncia – da posição de Sílvio Elia. E não o faz, justificando que, tanto no plano teórico ou lingüístico-formal stricto sensu, como no plano histórico-social, “dadas as características indiscutivelmente pluriculturais tanto do nosso passado quanto do nosso presente” (1980:40), a unidade pressupõe a diversidade.”


  Chegando a contemporaneidade, Tânia Lobo elenca alguns linguistas  que trabalham atualmente com a linguística histórica, especialmente, os que elegem como temática a história da língua portuguesa: Rosa Virgínia Mattos e Silva, Fernando Tarallo, Carlos Alberto Faraco e Marco Antônio de Oliveira. Dentre os trabalhos dos linguistas brasileiros contemporâneos, que contextualizam a língua na sua história, destaca-se a posição de Fernando Tarallo,  por ter recentemente retomado a tese oitocentista da existência de uma língua brasileira distinta da portuguesa e, por seguir uma vertente ainda pouco explorada em investigações de natureza diacrônica, haja vista que o seu trabalho situa-se no âmbito da sintaxe e tem procurado aproximar modelos teóricos aparentemente inconciliáveis: a sociolingüística e a gramática gerativa.
  Tânia Lobo afirma que não poderia deixar de mencionar as investigações feitas por Tarallo na área da chamada Crioulística. Ratifica também (p.15), que Tarallo, sem propriamente confirmar ou negar a hipótese de que o português americano seja resultado de uma língua pidgin falada pelos escravos africanos trazidos para o Brasil, retoma, de certa forma, um tipo de abordagem, que, por razões de natureza ideológica ou mesmo teórica, foi durante largo tempo desprezado no Brasil.
  Tânia Lobo finaliza seu texto (p.15) afirmando que a linguística histórica esteve exilada do conjunto das atenções dos linguistas brasileiros, e que esta situação está mudando, pois, atualmente há uma recuperação do interesse por esse tipo de investigação. Esse interesse pela linguística histórica desencadeia um tipo de preocupação que parece estar ligada à própria história das línguas transplantadas, a preocupação concernente à sua mudança, ou não, para outros sistemas linguísticos.

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