TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Ática, 1986.
Fernando Tarallo inicia seu livro intitulado “A pesquisa sócio-linguística” discutindo no primeiro capítulo a questão da relação entre língua e sociedade. O autor adota a definição de língua numa perspectiva saussuriana, que consiste em percebê-la como fato social, mais especificamente, como um sistema convencional adquirido pelos indivíduos durante o convívio social, e, portanto, sujeito a variações de ordem fonológica, morfossintática, estilística e/ou semântica.
Diante dessa concepção de que a língua sofre variações, o autor nos apresenta os conceitos de variante e variável linguísticas. As variantes podem ser definidas como as diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto com o mesmo valor de verdade (variantes padrão/não padrão, conservadoras/inovadoras, estigmatizadas/de prestígio):
“(...) Em geral, a variante padrão é, ao mesmo tempo, conservadora e aquela que goza do prestígio sociolingüístico na comunidade. As variantes inovadoras, por outro lado, são quase sempre não-padrão e estigmatizada pelos membros da comunidade. Por exemplo, no caso da marcação de plural no português do Brasil, a variante [s] é padrão, conservadora de prestígio; a variante [], por outro lado, é inovadora, estigmatizada e não-padrão.” (p.12)
A variável é entendida como um conjunto de variantes linguísticas, como por exemplo, a marcação de plural no sintagma nominal. Tarallo exemplifica (p.09) da seguinte forma:
1. a S meninaS bonitaS (norma-padrão do português)
aS meninas bonita (/); (o falante retém a variante [s] na posição de determinante e de nome-núcleo, mas lança da variante (/) para a posição de adjetivo modificador.)
aS menina(/); bonita(/) ; (o falante utiliza-se da variante não-padrão (/) nas duas posições finais do SN, retendo marca de plural somente na posição inicial.)
A existência dessas variantes estabelece uma relação de batalha entre si, contudo, no desfecho dessa batalha, a vitória não é assegurada pelo status de uma variante padrão ou de prestígio. Embora haja essa “batalha”, Tarallo afirma que, na maioria das vezes, essas variantes coexistem em um mesmo período e até no mesmo espaço, portanto, o autor defende que a língua falada é caracterizada pela diversidade e pela heterogeneidade.
A perspectiva do trabalho de Tarallo consiste na pesquisa sociolingüística, que de forma sistemática, descreve e analisa a língua falada. No capítulo dois – o fato sociolinguístico - o autor propõe uma metodologia de coleta de dados para que o pesquisador possa aprender a constituir o seu objeto de análise; e discute a relação entre teoria, método e objeto de estudo.
De acordo com Tarallo, esse modelo teórico-metodológico tem como precursor o americano William Labov, contudo, ele não foi o primeiro sociolinguista a surgir no cenário da investigação linguística, seu modelo analítico é rotulado por alguns estudiosos de sociolinguística quantitativa, por operar com números e tratamento estatístico de dados coletados. (pp. 7-8). Conforme Tarallo, esse modelo teórico metodológico parte da linguística parte da identificação do objeto, o fato linguístico – a língua falada, definida como veículo linguístico de comunicação usado em situações naturais de interação social – que se constitui no acervo de informações para fins de confirmação ou rejeição de hipóteses, bem como, para o lançamento de hipóteses futuras. No que se refere à teoria, consiste na investigação científica sobre a língua, servindo como suporte para que se possa, então, definir os procedimentos metodológicos a serem empregados durante o estudo.
Com relação à coleta de dados, Tarallo problematiza a questão de que ao se pretender estudar a língua em situações naturais de comunicação, o pesquisador teria grandes dificuldades para não interferir nessa necessária naturalidade. Destarte, o autor propõe que neste processo de coleta de material, o pesquisador não deve participar diretamente da situação de comunicação, fazendo, assim, o papel de pesquisador-observador. Em contrapartida, ele nos apresenta que a partir desse papel se estabelece um paradoxo, o pesquisador da área sociolinguística necessita participar diretamente da interação, para poder controlar os tópicos de conversa, eliciando as realizações da variável linguística que está interessado. Portanto, insurge um problema com relação à orientação teórico-metodológica do pesquisador, que necessita de grande quantidade de dados apenas coletados através de sua interação com o entrevistado, não podendo, porém, interferir na naturalidade do evento.
Tarallo apresenta o método de entrevista sociolinguística – a coleta de narrativas de experiência pessoal - consiste na seleção dos falantes, organizados em módulos – classe social, faixa etária, etnia, sexo, nível de escolaridade – e entrevistados seguindo um roteiro de perguntas com o acompanhamento de um gravador, sem que este seja visto como um elemento de intimidação pelo falante.
“Os estudos de narrativas de experiência pessoal têm demonstrado que, ao relatá-las, o informante está envolvido emocionalmente com o que relata que presta o mínimo de atenção ao como. E é precisamente esta situação natural de comunicação almejada pelo pesquisador sociolinguista.” (p.22) Ou ainda: “Na estrutura da narrativa Labov salientou as seguintes partes: resumo, orientação, complicação da ação, resolução da ação, avaliação e coda (...)” (p.23)
Ainda segundo o autor, é necessário, também, que o sociolinguista tenha o cuidado em não pronunciar o termo língua, bem como, adequar o seu falar ao do grupo entrevistado.
No terceiro capítulo - “Variação Linguística: primeira instância” -, Tarallo discute a preparação do envelope de variação (considerado pelo autor como a descrição detalhada das variantes. (p. 33)); o elenco das variantes concorrentes dentro de uma variável; e o levantamento das hipóteses. No que se refere à concorrência das variantes, o autor afirma que o sociolinguista tem a incumbência de analisar essa situação de conflito, buscando formas para desmascarar a assistematicidade do caos; nesse sentido, o sociolinguista deve traçar um perfil individual das variantes, identificando e enumerando as que são adversárias no campo de batalha. Tarallo exemplifica com a marcação de plural do sintagma nominal no Português falado no Brasil, apresentando o seguinte envelope de variação: á variável demarcação do plural correspondem as variantes padrão e não-padrão cortadora do .
Tarallo afirma que o pesquisador deve constatar as especificidades das variantes, levando em consideração o contexto de cada uma. Os contextos são considerados como os fatores condicionantes, que, decerto, influenciam nas variantes. No que se refere às hipóteses de trabalho, constituem o levantamento de todos os contextos que influenciam na realização de uma variável.
A motivação das hipóteses é denominada pelo autor de encaixamento lingüístico. Tarallo exemplifica com uma variável de natureza sintática: os pronomes de terceira pessoa em função de objeto do verbo. À pergunta “Você conheceu aquele homem?” têm-se três possíveis respostas em Português: “Eu o conheço”, “Eu conheço ele” e “Eu conheço”. Nessa batalha sintática em função de objeto três variantes se defrontam: uma padrão e duas não-padrão, sendo que a última apresenta uma “anáfora zero”, ou seja, o verbo não apresenta objeto pronominal expresso.
O autor ressalta que o levantamento dos fatores extralinguísticos cabe ao pesquisador, que se deve perceber como falante e conhecedor da comunidade:
“Desenvolva o detetive que há em você! Use e abuse de suas próprias armas e artimanhas para desmascarar cada variantes! Na caminhada pelo corpus procure concentrar-se mais e mais variantes! Respostas chegarão a você naturalmente e suas atividades de investigador/detetive lhe parecerão, a cada novo fato desvendado, mais estimulantes.” (p.46)
No quarto capítulo intitulado “A variação linguística: segunda instância”, Tarallo discute a noção de estereótipos e dos marcadores e indicadores sociolinguísticos; bem como, a questão sobre variação e normalização linguística; discute também, o papel desempenhado pela língua e pelos meios de comunicação de massa na estandardização linguística; e, por fim, os parâmetros extralinguísticos: classe social, faixa, etária, sexo, etnia, estilo.
Tarallo aborda neste capítulo, a ideia de avaliação das variáveis sociolinguísticas do falante de uma maneira geral, ao contrário do capítulo anterior que considerou a ótica do pesquisador. Partindo das pesquisas feitas e do conhecimento já adquirido sobre a comunidade, o pesquisador intui o papel atribuído às variantes pela comunidade de falantes. Dessa forma, o tratamento estatístico dos dados indicará que alguns grupos de fatores são responsáveis pela implementação de uma variante, enquanto que outros grupos não demonstram qualquer efetividade na aplicação da regra variável.
O autor afirma que o pesquisador pode submeter seus informantes a uma situação experimental – os testes sociolinguísticos – que visa a avaliação (Observar como os falantes de um dada comunidade reagem em relação à variação de sua língua: de forma positiva, numa relação de aceitação; de forma negativa, numa relação de rejeição; ou de maneira neutra. (p.51) da variante pelos informantes. Esses testes podem ser de percepção, que consiste na manifestação do informante com relação à aceitabilidade ou não de certas variantes; ou de produção, que se baseia na inserção de mecanismos que levem o informante a construir a variável.
Tarallo considera a língua falada como heterogênea e variável, contudo, essa variabilidade é passível de sistematização, haja vista que esta modalidade da língua é um sistema variável de regras. Esse sistema de variação deve corresponder às tentativas de regularização e normalização A língua escrita é proveniente da regularização, é ensinada nas escolas tendo como suporte a norma padrão portuguesa, assegurando, dessa forma, a unidade da língua nacional. Nesse sentido, o autor propõe a investigação de fontes de dados que tenham como objetivo a unificação da língua nacional, como por exemplo, os meios de comunicação de massa (a televisão, o rádio e o jornal); o autor ainda afirma que, embora esses meios priorizem a norma culta, possuem traços variáveis de informalidade, característicos da fala.
Tarallo conclui este capítulo propondo uma ampliação do conceito de gramática, que segundo ele, deveria abranger a forma (estrutura) e a substância (uso) da língua, levando em consideração a noção do uso lingüístico e a caracterização da comunidade de fala através de seus traços referenciais e socioestilísticos:
“Assim também é a classe social, a etnia, o sexo, a faixa etária do falante. É somente através da correlação entre fatores lingüísticos e não-lingüísticos que você chegará a um melhor conhecimento de como a língua é usada e de que é constituída. Cada comunidade de fala é única; cada falante é um caso individual. A partir do estudo de várias comunidades, no entanto, você chegará a um macrossistema de variação: os resultados de vários estudos começarão a lhe dar pistas para estudos posteriores.(...)” (p.62)
No capítulo cinco – “A variação e mudança linguísticas” - tem como enfoque a questão da linguística histórica, no que se refere à transição e a implementação de variantes, de um momento do sistema linguístico para outro. Tarallo faz, também, uma revisão da dicotomia saussureana entre sincronia (estudo transversal da língua em um determinado grupo) e diacronia (estudo longitudinal da língua através do tempo).
O autor afirma que a batalha entre variantes tem como desfecho uma relação de contemporização – estabilidade das adversárias num processo de subsistência ou coexistência –, ou de morte – mudança em progresso. Em ambos os casos as variantes dispõe de certas armas, isto é, grupo de fatores condicionadores linguísticos e não-linguísticos. A este modelo de análise, compreensão dos processos de variação e de mudança linguísticas, Tarallo acrescenta outra dimensão: a história. Nesse sentido, o autor defende que essa dimensão se justifica porque a estrutura de uma língua somente será entendida como um todo à medida que se compreendam efetivamente os processos históricos de sua configuração.
Segundo o autor, o princípio de uniformidade rege as suas investigações, tendo-se em vista que as forças que atuaram no momento sincrônico presente são as mesmas que atuaram no passado; dessa forma, é possível desenvolver a pesquisa sobre a história de uma língua, fazendo uma espécie de “viagem de ida de volta” – do presente ao passado e de volta ao presente. Entretanto, o autor problematiza a questão de como uma pesquisa que se refere à língua falada poderia integrar uma dimensão histórica, sobretudo, com a ausência de registros orais (fitas gravadas) no passado.
Tarallo afirma que a solução deste problema se dá com a realização de um recorte transversal, que consiste no acréscimo de uma dimensão histórica à análise linguística. Essa dimensão, mais necessariamente, o tempo aparente, fundamenta-se na divisão de grupos de informantes por faixa etária. Há ainda uma segunda dimensão, o tempo real, que tem como suporte a análise de documentos como o Atlas linguístico, cartas pessoais, diários, textos teatrais e em prosa, dentre outros.
O acréscimo da dimensão histórica ao estudo da língua, tomando como base o aparente e o real tem como desdobramento dois outros elementos no processo de análise: a transição (como e por quais caminhos a língua muda) e a implementação (por que, quando e onde determinada mudança ocorreu) de variáveis. O autor utiliza como exemplo (pode-se constatar a luta entre três variantes: a padrão que privilegia o uso da gramática normativa, a relativa com pronome lembrete e a cortadora. (p. 74)) o emprego de pronomes relativos nas orações subordinadas:
(1) Este é o homem com quem eu falei ontem.
(2) Este é o homem que eu falei com ele ontem.
(3) Este é o homem que eu falei ontem.
No capítulo seis – Conclusões – Tarallo retoma a questão da heterogeneidade, demonstrando que é possível sistematizar a língua falada, mesmo com a coexistência de variantes em um mesmo período histórico, dessa forma, o autor critica a idéia de homogeneidade da língua. Discutindo, também, a questão da incorporação de universais linguísticos de variação e de mudança (fatores condicionadores linguísticos e não-linguísticos).
Fernando Tarallo inicia seu livro intitulado “A pesquisa sócio-linguística” discutindo no primeiro capítulo a questão da relação entre língua e sociedade. O autor adota a definição de língua numa perspectiva saussuriana, que consiste em percebê-la como fato social, mais especificamente, como um sistema convencional adquirido pelos indivíduos durante o convívio social, e, portanto, sujeito a variações de ordem fonológica, morfossintática, estilística e/ou semântica.
Diante dessa concepção de que a língua sofre variações, o autor nos apresenta os conceitos de variante e variável linguísticas. As variantes podem ser definidas como as diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto com o mesmo valor de verdade (variantes padrão/não padrão, conservadoras/inovadoras, estigmatizadas/de prestígio):
“(...) Em geral, a variante padrão é, ao mesmo tempo, conservadora e aquela que goza do prestígio sociolingüístico na comunidade. As variantes inovadoras, por outro lado, são quase sempre não-padrão e estigmatizada pelos membros da comunidade. Por exemplo, no caso da marcação de plural no português do Brasil, a variante [s] é padrão, conservadora de prestígio; a variante [], por outro lado, é inovadora, estigmatizada e não-padrão.” (p.12)
A variável é entendida como um conjunto de variantes linguísticas, como por exemplo, a marcação de plural no sintagma nominal. Tarallo exemplifica (p.09) da seguinte forma:
1. a S meninaS bonitaS (norma-padrão do português)
aS meninas bonita (/); (o falante retém a variante [s] na posição de determinante e de nome-núcleo, mas lança da variante (/) para a posição de adjetivo modificador.)
aS menina(/); bonita(/) ; (o falante utiliza-se da variante não-padrão (/) nas duas posições finais do SN, retendo marca de plural somente na posição inicial.)
A existência dessas variantes estabelece uma relação de batalha entre si, contudo, no desfecho dessa batalha, a vitória não é assegurada pelo status de uma variante padrão ou de prestígio. Embora haja essa “batalha”, Tarallo afirma que, na maioria das vezes, essas variantes coexistem em um mesmo período e até no mesmo espaço, portanto, o autor defende que a língua falada é caracterizada pela diversidade e pela heterogeneidade.
A perspectiva do trabalho de Tarallo consiste na pesquisa sociolingüística, que de forma sistemática, descreve e analisa a língua falada. No capítulo dois – o fato sociolinguístico - o autor propõe uma metodologia de coleta de dados para que o pesquisador possa aprender a constituir o seu objeto de análise; e discute a relação entre teoria, método e objeto de estudo.
De acordo com Tarallo, esse modelo teórico-metodológico tem como precursor o americano William Labov, contudo, ele não foi o primeiro sociolinguista a surgir no cenário da investigação linguística, seu modelo analítico é rotulado por alguns estudiosos de sociolinguística quantitativa, por operar com números e tratamento estatístico de dados coletados. (pp. 7-8). Conforme Tarallo, esse modelo teórico metodológico parte da linguística parte da identificação do objeto, o fato linguístico – a língua falada, definida como veículo linguístico de comunicação usado em situações naturais de interação social – que se constitui no acervo de informações para fins de confirmação ou rejeição de hipóteses, bem como, para o lançamento de hipóteses futuras. No que se refere à teoria, consiste na investigação científica sobre a língua, servindo como suporte para que se possa, então, definir os procedimentos metodológicos a serem empregados durante o estudo.
Com relação à coleta de dados, Tarallo problematiza a questão de que ao se pretender estudar a língua em situações naturais de comunicação, o pesquisador teria grandes dificuldades para não interferir nessa necessária naturalidade. Destarte, o autor propõe que neste processo de coleta de material, o pesquisador não deve participar diretamente da situação de comunicação, fazendo, assim, o papel de pesquisador-observador. Em contrapartida, ele nos apresenta que a partir desse papel se estabelece um paradoxo, o pesquisador da área sociolinguística necessita participar diretamente da interação, para poder controlar os tópicos de conversa, eliciando as realizações da variável linguística que está interessado. Portanto, insurge um problema com relação à orientação teórico-metodológica do pesquisador, que necessita de grande quantidade de dados apenas coletados através de sua interação com o entrevistado, não podendo, porém, interferir na naturalidade do evento.
Tarallo apresenta o método de entrevista sociolinguística – a coleta de narrativas de experiência pessoal - consiste na seleção dos falantes, organizados em módulos – classe social, faixa etária, etnia, sexo, nível de escolaridade – e entrevistados seguindo um roteiro de perguntas com o acompanhamento de um gravador, sem que este seja visto como um elemento de intimidação pelo falante.
“Os estudos de narrativas de experiência pessoal têm demonstrado que, ao relatá-las, o informante está envolvido emocionalmente com o que relata que presta o mínimo de atenção ao como. E é precisamente esta situação natural de comunicação almejada pelo pesquisador sociolinguista.” (p.22) Ou ainda: “Na estrutura da narrativa Labov salientou as seguintes partes: resumo, orientação, complicação da ação, resolução da ação, avaliação e coda (...)” (p.23)
Ainda segundo o autor, é necessário, também, que o sociolinguista tenha o cuidado em não pronunciar o termo língua, bem como, adequar o seu falar ao do grupo entrevistado.
No terceiro capítulo - “Variação Linguística: primeira instância” -, Tarallo discute a preparação do envelope de variação (considerado pelo autor como a descrição detalhada das variantes. (p. 33)); o elenco das variantes concorrentes dentro de uma variável; e o levantamento das hipóteses. No que se refere à concorrência das variantes, o autor afirma que o sociolinguista tem a incumbência de analisar essa situação de conflito, buscando formas para desmascarar a assistematicidade do caos; nesse sentido, o sociolinguista deve traçar um perfil individual das variantes, identificando e enumerando as que são adversárias no campo de batalha. Tarallo exemplifica com a marcação de plural do sintagma nominal no Português falado no Brasil, apresentando o seguinte envelope de variação: á variável demarcação do plural correspondem as variantes padrão e não-padrão cortadora do .
Tarallo afirma que o pesquisador deve constatar as especificidades das variantes, levando em consideração o contexto de cada uma. Os contextos são considerados como os fatores condicionantes, que, decerto, influenciam nas variantes. No que se refere às hipóteses de trabalho, constituem o levantamento de todos os contextos que influenciam na realização de uma variável.
A motivação das hipóteses é denominada pelo autor de encaixamento lingüístico. Tarallo exemplifica com uma variável de natureza sintática: os pronomes de terceira pessoa em função de objeto do verbo. À pergunta “Você conheceu aquele homem?” têm-se três possíveis respostas em Português: “Eu o conheço”, “Eu conheço ele” e “Eu conheço”. Nessa batalha sintática em função de objeto três variantes se defrontam: uma padrão e duas não-padrão, sendo que a última apresenta uma “anáfora zero”, ou seja, o verbo não apresenta objeto pronominal expresso.
O autor ressalta que o levantamento dos fatores extralinguísticos cabe ao pesquisador, que se deve perceber como falante e conhecedor da comunidade:
“Desenvolva o detetive que há em você! Use e abuse de suas próprias armas e artimanhas para desmascarar cada variantes! Na caminhada pelo corpus procure concentrar-se mais e mais variantes! Respostas chegarão a você naturalmente e suas atividades de investigador/detetive lhe parecerão, a cada novo fato desvendado, mais estimulantes.” (p.46)
No quarto capítulo intitulado “A variação linguística: segunda instância”, Tarallo discute a noção de estereótipos e dos marcadores e indicadores sociolinguísticos; bem como, a questão sobre variação e normalização linguística; discute também, o papel desempenhado pela língua e pelos meios de comunicação de massa na estandardização linguística; e, por fim, os parâmetros extralinguísticos: classe social, faixa, etária, sexo, etnia, estilo.
Tarallo aborda neste capítulo, a ideia de avaliação das variáveis sociolinguísticas do falante de uma maneira geral, ao contrário do capítulo anterior que considerou a ótica do pesquisador. Partindo das pesquisas feitas e do conhecimento já adquirido sobre a comunidade, o pesquisador intui o papel atribuído às variantes pela comunidade de falantes. Dessa forma, o tratamento estatístico dos dados indicará que alguns grupos de fatores são responsáveis pela implementação de uma variante, enquanto que outros grupos não demonstram qualquer efetividade na aplicação da regra variável.
O autor afirma que o pesquisador pode submeter seus informantes a uma situação experimental – os testes sociolinguísticos – que visa a avaliação (Observar como os falantes de um dada comunidade reagem em relação à variação de sua língua: de forma positiva, numa relação de aceitação; de forma negativa, numa relação de rejeição; ou de maneira neutra. (p.51) da variante pelos informantes. Esses testes podem ser de percepção, que consiste na manifestação do informante com relação à aceitabilidade ou não de certas variantes; ou de produção, que se baseia na inserção de mecanismos que levem o informante a construir a variável.
Tarallo considera a língua falada como heterogênea e variável, contudo, essa variabilidade é passível de sistematização, haja vista que esta modalidade da língua é um sistema variável de regras. Esse sistema de variação deve corresponder às tentativas de regularização e normalização A língua escrita é proveniente da regularização, é ensinada nas escolas tendo como suporte a norma padrão portuguesa, assegurando, dessa forma, a unidade da língua nacional. Nesse sentido, o autor propõe a investigação de fontes de dados que tenham como objetivo a unificação da língua nacional, como por exemplo, os meios de comunicação de massa (a televisão, o rádio e o jornal); o autor ainda afirma que, embora esses meios priorizem a norma culta, possuem traços variáveis de informalidade, característicos da fala.
Tarallo conclui este capítulo propondo uma ampliação do conceito de gramática, que segundo ele, deveria abranger a forma (estrutura) e a substância (uso) da língua, levando em consideração a noção do uso lingüístico e a caracterização da comunidade de fala através de seus traços referenciais e socioestilísticos:
“Assim também é a classe social, a etnia, o sexo, a faixa etária do falante. É somente através da correlação entre fatores lingüísticos e não-lingüísticos que você chegará a um melhor conhecimento de como a língua é usada e de que é constituída. Cada comunidade de fala é única; cada falante é um caso individual. A partir do estudo de várias comunidades, no entanto, você chegará a um macrossistema de variação: os resultados de vários estudos começarão a lhe dar pistas para estudos posteriores.(...)” (p.62)
No capítulo cinco – “A variação e mudança linguísticas” - tem como enfoque a questão da linguística histórica, no que se refere à transição e a implementação de variantes, de um momento do sistema linguístico para outro. Tarallo faz, também, uma revisão da dicotomia saussureana entre sincronia (estudo transversal da língua em um determinado grupo) e diacronia (estudo longitudinal da língua através do tempo).
O autor afirma que a batalha entre variantes tem como desfecho uma relação de contemporização – estabilidade das adversárias num processo de subsistência ou coexistência –, ou de morte – mudança em progresso. Em ambos os casos as variantes dispõe de certas armas, isto é, grupo de fatores condicionadores linguísticos e não-linguísticos. A este modelo de análise, compreensão dos processos de variação e de mudança linguísticas, Tarallo acrescenta outra dimensão: a história. Nesse sentido, o autor defende que essa dimensão se justifica porque a estrutura de uma língua somente será entendida como um todo à medida que se compreendam efetivamente os processos históricos de sua configuração.
Segundo o autor, o princípio de uniformidade rege as suas investigações, tendo-se em vista que as forças que atuaram no momento sincrônico presente são as mesmas que atuaram no passado; dessa forma, é possível desenvolver a pesquisa sobre a história de uma língua, fazendo uma espécie de “viagem de ida de volta” – do presente ao passado e de volta ao presente. Entretanto, o autor problematiza a questão de como uma pesquisa que se refere à língua falada poderia integrar uma dimensão histórica, sobretudo, com a ausência de registros orais (fitas gravadas) no passado.
Tarallo afirma que a solução deste problema se dá com a realização de um recorte transversal, que consiste no acréscimo de uma dimensão histórica à análise linguística. Essa dimensão, mais necessariamente, o tempo aparente, fundamenta-se na divisão de grupos de informantes por faixa etária. Há ainda uma segunda dimensão, o tempo real, que tem como suporte a análise de documentos como o Atlas linguístico, cartas pessoais, diários, textos teatrais e em prosa, dentre outros.
O acréscimo da dimensão histórica ao estudo da língua, tomando como base o aparente e o real tem como desdobramento dois outros elementos no processo de análise: a transição (como e por quais caminhos a língua muda) e a implementação (por que, quando e onde determinada mudança ocorreu) de variáveis. O autor utiliza como exemplo (pode-se constatar a luta entre três variantes: a padrão que privilegia o uso da gramática normativa, a relativa com pronome lembrete e a cortadora. (p. 74)) o emprego de pronomes relativos nas orações subordinadas:
(1) Este é o homem com quem eu falei ontem.
(2) Este é o homem que eu falei com ele ontem.
(3) Este é o homem que eu falei ontem.
No capítulo seis – Conclusões – Tarallo retoma a questão da heterogeneidade, demonstrando que é possível sistematizar a língua falada, mesmo com a coexistência de variantes em um mesmo período histórico, dessa forma, o autor critica a idéia de homogeneidade da língua. Discutindo, também, a questão da incorporação de universais linguísticos de variação e de mudança (fatores condicionadores linguísticos e não-linguísticos).
Excelente resumo da obra de Fernando Tarallo!
ResponderExcluirExcelente resumo!
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