quarta-feira, 30 de junho de 2010

A questão da periodização da história linguística do Brasil


LOBO, Tânia Conceição Freire. A questão da periodização da história linguística do Brasil. In: CASTRO, Ivo; DUARTE, Inês (orgs.). Razões e emoção: miscelânia de estudos em homenagem a Maria Helena Mira Mateus. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 2003     .

  Nas páginas preliminares do seu texto intitulado “A questão da periodização da história linguística do Brasil” (2003), Tânia Lobo afirma que o assunto a ser discutido é um tema um tanto “datado” e, talvez, já mesmo superado no que concerne aos assuntos considerados relevantes pelos historiadores da língua portuguesa no Brasil. Contudo, a autora objetiva neste texto, apresentar uma nova proposta de periodização da história linguística do Brasil, que, segundo a mesma (p.396), embora passível e certamente sujeita a reformulações posteriores, se pauta em critérios mais de natureza sociolinguística, através dos quais se divisam dois grandes quadros históricos essencialmente distintos nos 500 anos de história da língua portuguesa no Brasil.
  Antes de nos apresentar a sua proposta, Tânia Lobo afirma que as propostas de periodização da história de uma língua podem basear-se em fatores internos – mudanças que a estrutura da língua sofre – ou, mais frequentemente, em fatores externos – mudanças sócio-históricas supostamente correlacionadas às mudanças estruturais.    Dessa forma, a autora vai nos apresentar as periodizações existentes elaboradas por Serafim da Silva Neto, Paul Teyssier e Marlos de Barros Pessoa, e ressalta que essas três propostas de periodização para a história do português no Brasil se basearam exclusivamente em fatores externos.  No que se refere a periodização de Serafim da Silva Neto:
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  Primeira fase: de 1532 (início da colonização) a 1654 (expulsão dos holandeses). Povoamento da costa: escassez do elemento branco; em alguns pontos, mais cedo que em outros, inicia-se o processo que resultará no predomínio da população negra sobre a indígena; a língua geral é necessária a todos; bilingüismo generalizado;
  Segunda fase: de 1654 (a partir de quando, extinta a ameaça holandesa, se teria marcado em definitivo o caráter português da colonização do Brasil) até 1808 (com a chegada da família real portuguesa). Povoamento do interior: cresce a influência dos brancos e dos negros; rareia o elemento indígena; a língua geral vai paulatinamente deixando de ser utilizada, até limitar-se às povoações do interior e aos aldeamentos dos jesuítas; o período que vai de meados do século XVII a meados do século XVIII representa o clímax da expansão territorial: faz-se o povoamento do interior com as massas do litoral, compostas, em percentagens diversas, de índios, negros, mestiços e brancos “decaídos”, que se expressavam através de um crioulo ou semicrioulo;
  Terceira fase: a partir de 1808. Urbanização: as elites rurais emigram para as cidades; dualidade lingüística entre a nata social (constituída por brancos e mestiços que ascenderam socialmente), exposta, cada vez mais, à influência da escolarização, e outro estrato social, constituído pelos descendentes dos índios, negros e mulatos da Colônia. (LOBO, 2003, pp. 397-398)
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  Tânia Lobo critica essa proposta de Serafim da Silva Neto, destacando, inicialmente, a falta de coerência entre a caracterização de cada uma das três fases que este apresenta, bem como a tese defendida pelo autor de que o português brasileiro é unitário e conservador. Critica também o destaque dado para a ocupação holandesa, que segundo ela, não se justifica em uma proposta de periodização da história linguística brasileira, na medida em que a presença holandesa no Brasil, tendo durado apenas vinte e quatro anos, não teve conseqüências no plano da linguagem.
  Posteriormente, a pesquisadora apresenta a proposta de Paul Teyssier, que se caracteriza da seguinte forma:
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  Primeira fase: o período colonial até a chegada de D. João VI (1808): o português europeu falado pelos colonizadores portugueses vai adquirindo traços específicos; os aloglotas aprendem o português de forma imperfeita; o português coexiste com a língua geral – um tupi que, simplificado e gramaticalizado pelos jesuítas, se torna língua comum; conservam-se muitas línguas indígenas particulares, denominadas línguas travadas; Segunda fase: da chegada de D. João VI (1808) à Independência: período da “relusitanização” do Rio de Janeiro, com a chegada da família real e de uma população de 15 000 portugueses; Terceira fase: o Brasil independente: a chegada de imigrantes europeus – sobretudo no período que se estende entre 1870 e 1950 –, a extinção do tráfico negreiro e a diluição dos índios na mestiçagem brasileira contribuem para o “branqueamento” do Brasil contemporâneo; o país urbaniza-se e industrializa-se; nas grandes cidades, elabora-se o português brasileiro.  (LOBO, 2003, p. 398)
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  Tânia Lobo a considera como a proposta menos elaborada dentre as três, graças ao caráter conciso da sua História da Língua Portuguesa, sobretudo, quanto à justificativa de Paul Teyssier para a segunda fase – avaliada como muito breve para dar conta de mudanças significativas no plano linguístico em todo o Brasil e mesmo na cidade do Rio de Janeiro, exceto, talvez, se considerássemos como representativo do português brasileiro do período em questão apenas o comportamento linguístico das elites coloniais que habitavam a Corte. A autora também critica a minimização ou mesmo a omissão da participação do contingente negro na proposta do autor.
  No que se refere à última proposta, a de Marlos de Barros Pessoa, estrutura-se em: 
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  Primeira fase: de 1534 (divisão do país em capitanias hereditárias) a 1750 (descoberta do ouro nas Minas Gerais e modernização do estado português com as reformas pombalinas). “Estágio de multilingüismo, com variedades de línguas e formação de variedades lingüísticas regionais.”
  Segunda fase: de 1750 a 1922. A segunda fase apresenta-se dividida em três subfases: Primeira subfase: de 1750 (descoberta do ouro nas Minas Gerais e modernização do estado português com as reformas pombalinas) a 1808 (transferência da família real portuguesa e urbanização da sociedade brasileira). “Período de koineização de diferentes variedades, que seria uma espécie de pré-koineização da língua comum.” Segunda subfase: de 1808 (transferência da família real portuguesa) a 1850 (fim do tráfico de escravos). “Subestágio de formação da língua comum, com formação paralela de normas locais.”  Terceira subfase: de 1850 (fim do tráfico de escravos) a 1922 (fim do predomínio das oligarquias, surto industrial, emergência do movimento modernista brasileiro). “Subperíodo de estabilização da língua comum e das normas locais.”
  Terceira fase: a partir de 1922. “Estágio de elaboração da língua literária.” (iden. p.399)
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  Tânia Lobo  critica  dois aspectos da estrutura de Marlos de Barros Pessoa: o primeiro refere-se ao fato do autor ter considerado em uma mesma proposta de periodização linguística, a história da língua falada e a história da língua literária. O segundo aspecto diz respeito às fases propostas para a periodização e a caracterização de cada uma delas individualmente: o multilinguismo é apresentado como um traço marcante apenas para o período que se estende de 1534 a 1750.
  A autora cita Fernando Tarallo (1993) e a sua concepção de que a partir da articulação entre diversas mudanças sintáticas que teriam afetado o sistema pronominal e a ordem das palavras, seria possível observar-se, na passagem do século XIX ao século XX, a configuração de uma “gramática” brasileira distinta da “gramática” do português europeu. Tânia Lobo afirma (p.401) que essa identificação de um conjunto inter-relacionado de mudanças em um dado momento da história de uma língua é o suficiente para sustentar uma proposta de periodização. Ainda expõe que embora não tenha havido por parte de Tarallo uma preocupação sistemática no sentido de correlacionar as mudanças estruturais analisadas a fatores sócio-históricos, tal correlação é apontada por Mattos e Silva.

  Na parte 1.2 - Elementos para uma nova proposta - Tânia Lobo sugere novos elementos que poderiam ser adotados para a elaboração de uma periodização da história da língua no Brasil, segundo a autora, sua sugestão é um tanto econômica e se beneficia da leitura das propostas anteriores. Neste caso, se tornou funcional utilizarmos um quadro sintético expondo estes elementos:

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ELEMENTOS PARA UMA NOVA PROPOSTA
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Aspectos Fundamentais
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  A história demográfico-lingüística brasileira   
  O crescimento populacional associado ao processo de urbanização do país
  O processo de escolarização associado ao processo de estandardização lingüística
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 Fases
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  multilinguismo generalizado;
  não-urbanização; não-escolarização;
  não-estandardização linguística;   
  multilinguismo localizado;
  urbanização;
  escolarização;
  Estandardização lingüística.
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  Fatos para a compreensão dos caminhos da história linguística brasileira
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  A passagem de um contexto de país generalizadamente multilíngue a um contexto de país generalizadamente unilíngue e localizadamente multilíngue;
  Crescimento populacional associado à transformação do país da condição de eminentemente rural à condição de eminentemente urbano;
  O crescimento dos índices de escolarização, retirando o país da condição de iletrado e inserindo-o em um contexto de país com baixos índices de letramento.
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   Posteriormente, Tânia Lobo discute mais pormenorizadamente cada um dos três fatos por ela destacados. Em 1.2.1. - Do multilinguismo generalizado ao unilinguismo generalizado - a pesquisadora discute a questão do Brasil ser, atualmente, um país formado majoritariamente por unilíngues, cuja língua materna é o português. Contudo, afirma que há cerca de 170 línguas indígenas sobreviventes que são faladas por uma exígua população de aproximadamente 250 mil indivíduos; bem como os vestígios de utilização de línguas africanas em situações de práticas rituais religiosas e o fenômeno das “línguas secretas”, existentes, como por exemplo, no Cafundó. Por outro lado, em virtude do processo de imigração, deflagrado, sobretudo, a partir de meados do século XX, subsistem, na condição de línguas minoritárias, o alemão, o italiano, o japonês e outras línguas, cujo número de falantes vem sendo, todavia, progressivamente reduzido.
   A autora também estabelece um quadro temporal que se dá desde o processo de colonização no século XVI a metade do XIX, a partir do tempo de contato-concorrência entre línguas indígenas, línguas africanas e a língua portuguesa, tendo, ao final, prevalecido o uso desta última. Tânia Lobo nos chama a atenção para o estabelecimento do processo de aprendizagem informal do português como segunda língua por parte de uma massa de falantes, dentro das variadas formas locais de contato lingüístico, em diversos momentos históricos. Também essalta que na história do Brasil, o século XVI costuma desenhar-se como o da fixação litorânea; o século XVII, como o da expansão territorial, iniciando-se já a conquista das terras do interior, e o século XVIII, como o da consolidação em definitivo do projeto colonial português. Salienta também, que uma característica evidente desse período consiste no processo de formação do português rural brasileiro, não-uniforme:

“(...) A variação linguística, produto desse momento, é de natureza marcadamente diatópica, opondo as várias regiões, distintas entre si, em virtude de variadas configurações histórico-demográficas e culturais. Nesse país eminentemente rural e com taxas (quase) nulas de alfabetização, a fala das elites também terá sofrido o influxo das mudanças que paulatinamente foram dando conformação ao português vernáculo brasileiro. Dizendo de outra forma, a variação diastrática entre falantes nativos do português brasileiro terá sido bastante menos marcada que a atual, pois ainda não existia uma parcela significativa da população brasileira cujo comportamento linguístico fosse definido pelos modelos difundidos pela escolarização; portanto, as diferenças entre a fala dos indivíduos integrantes da elite e a fala dos indivíduos integrantes dos estratos desprestigiados socioeconomicamente deveriam ser menores que as observadas atualmente.”  (p.404)

  Em 1.2.2.  - De país rural a país urbano - Tânia Lobo nos apresenta uma tabela de Baronni  (1939) com dados em ordem cronológica, com o intuito de se visualizar não apenas o crescimento da população brasileira, mas também, em paralelo, o processo de urbanização do país. Segundo a pesquisadora, esses dados apontam que o processo de urbanização do Brasil é um fenômeno bastante recente; tornando-se sensível nas décadas de 40 e 50, mas, de fato, implementa-se em todo o país a partir da década de 80. Ainda segundo a mesma, a importância de se estudar o impacto dos dialetos rurais sobre os dialetos urbanos e vice-versa é, pois, uma das questões mais discutidas nas pesquisas linguísticas brasileiras, a fim de que se possa compreender a verdadeira face do português brasileiro contemporâneo.
  Em seguida, Tânia Lobo utiliza uma tabela de Brandão (1996), em que se incluem as décadas de 60 e 70, discriminando os dados por regiões, o que permite constatar que a urbanização não ocorreu simultaneamente em todas as partes; e que a região Sudeste, estando na vanguarda do processo, ainda hoje é a região mais urbanizada do país. A partir da observação do impacto exercido pela urbanização do país na sua história linguística a autora afirma que:
a)       Na primeira fase, o país é eminentemente rural, e a sua diversidade linguística caracteriza-se, principalmente, pela oposição dos dialetos rurais entre si;
b)       Na segunda fase, o Brasil torna-se um país eminentemente urbano, e a variação diatópica esbate-se em favor de uma variação de tipo diastrático, que opõe falantes de níveis socioculturais distintos, com as classes baixas urbanas passando a ser integradas progressiva e majoritariamente pela população de origem rural e por seus descendentes.
  Na parte 1.2.3.   intitulada - De país analfabeto a país parcialmente alfabetizado -, Tânia Lobo conclui seu texto “A questão da periodização da história linguística do Brasil” com a análise da escolarização associada à estandardização linguística. Portanto, ela estabelece, de forma cronológica, o índice de letrados no Brasil, do século XVI ao início do XX, substanciando a sua argumentação com a utilização dos dados presentes numa tabela de Fernandes 1966, apud Ribeiro 1995.
   Para encerrar, emprega os dados do censo demográfico de 1991, relacionados ao nível de escolarização dos brasileiros, para poder fazer alusão ao que foi discutido ao longo do texto, concluindo, então, que “enquanto na primeira fase da história da língua portuguesa no Brasil, não se pode indicar uma real interferência de uma norma padrão (difundida por um sistema formal de educação) sobre o português vernáculo brasileiro (...), na segunda fase, tal interferência, ainda que baixa, se verifica”. (p. 408)

2 comentários:

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